Reflexões

Órfãos de Pais Vivos

31-03-2015 11:59

A entrada das mulheres no mercado de trabalho conduziu a alterações na organização familiar cujas dimensões estão ainda longe de poder ser compreendidas.
Trabalhando marido e mulher fora de casa, num primeiro momento coube à mulher, a par da responsabilidade profissional, o cuidado dos filhos e os afazeres domésticos, reservando-se ao pai um papel de menor intervenção na vida de família.
As mulheres passaram a ter dupla profissão: trabalho fora e trabalho em casa. E o estado de exaustão feminino, decorrente do desempenho de duas profissões igualmente absorventes, não terá sido alheio ao aumento do número de divórcios, à queda da natalidade facilitada pelo uso generalizado dos anticonceptivos, à recusa de muitas mulheres em aceitar cargos de maior responsabilidade na vida social e política e, mais importante ainda, ao esbater da presença do pai na vida familiar.
E se inicialmente, enquanto os pais trabalhavam, os avós iam cuidando dos netos, esse privilégio durou menos de uma geração. Creches e infantários proliferaram em resposta à necessidade de cuidar das crianças mais pequenas.
Num segundo momento, marido e mulher começam a entreajudar-se na educação dos filhos e nos trabalhos domésticos, mas, passam a maior parte do dia fora de casa.
Os filhos ficam entregues à escola e a outras instituições quando não deixados sozinhos em casa, com a companhia das sempre disponíveis baby-sitters: a televisão, o computador, a internet e outros gadgets.

Os media e a escola passaram a ser os pais e mães destas crianças com os riscos inerentes porque  nenhum deles está destinado à maternidade ou à paternidade.
Quando chegam a casa marido e mulher estão muito cansados, a resiliência diminuída para o esforço requerido na educação dos filhos: as refeições deixam de se fazer em família e as conversas e brincadeiras são adiadas para os fins e semana ou as férias, quando, porque o tempo não espera, já perderam oportunidade
Deste modo, sobretudo nos aglomerados urbanos, muitas crianças têm vindo a crescer sozinhas, sem figuras paternas (pai e mãe) que lhes ensinem os caminhos da vida, afectivamente à deriva e por conseguinte com sérios prejuízos na definição da sua identidade. Eram e são filhos órfãos de pais vivos.
Homens e Mulheres são imprescindíveis em todas as estruturas sociais e temos o dever e o direito de prosseguir as profissões com as quais melhor nos identificamos.
Por este motivo, a forma racional de resolução do problema não é a saída das mulheres ou dos homens do mercado de trabalho. Isso seria, para todos os efeitos, um retrocesso civilizacional. São as estruturas produtivas que devem adaptar-se à forma de ser da família.
Agora, a meados da segunda década do séc. XXI, é imprescindível o retorno do pai e da mãe aos filhos e à família É preciso reinventar a família e as relações com as estruturas produtivas. As gerações futuras têm direito a um pai e uma mãe presentes.
Maria Filomena Santos - Advogada



 

Teatro Real

31-03-2015 11:57

Todos somos atores, no palco da vida. Sem guiões, é certo, mas excelentes atores no improviso da vida. A nossa vida é como uma peça de teatro, com princípio, meio e fim. Divide-se em atos, cenas, capítulos. E tal como na peça de teatro, também na vida há personagens principais, secundárias, figurinos. Cabe-nos a nós, autor e ator, da peça da nossa vida, decidir quem é quem. Quem deve ficar na peça até ao fim, ou dela sair sem rasgo de piedade.
Cabe-nos a nós construir os atos guiando as personagens para o final esperado, por nós esperado. Mas por muito caminho seguido, vem sempre o percalço. O não sonhado. Aí sim, és de certo ator. Improvisas, num só take. Sem gravações, sem olhar para trás. É essa a beleza da vida. Não há volta atrás, o que deveras é muito mais desafiante, imaginativo e nos torna deveras inteligentes. Nisso também a vida se assemelha ao teatro. Qualquer erro fica registado, não se apaga. O que é que o ator faz? Segue em frente, continua o seu papel. Muitas vezes, os espetadores  não se apercebem do erro. Erro não, aprendizagem. É assim que devemos agir, neste grandioso palco.
Tal como a interação com o público guia o espetáculo, também os outros alteram o nosso caminho, numa simbiose sem fim, numa aprendizagem contínua. Quão poderosa é a vida, numa mesma peça somos, encenador, ator, figurinista, autor….os dados estão lançados, a cortina aberta. Viva-se no palco com a tristeza de um drama, a alegria da comédia, o drama da tragédia, mas viva-se como quem se entrega à peça que é sua.
Mas não se olvide, que no cair do pano, lá vem o diabo do Auto da Barca recordar-nos: “ Vai ou vem, embarcai prestes! Segundo lá escolheste, assi cá vos contentai.”. Grande Gil Vicente! Viva o Teatro! Viva a Vida!
Ana Esteves

Confissão - Terapia Divina

31-03-2015 11:57

Confessar é, de certa forma, fazer o papel de filho pródigo indo ao encontro do Bom Pastor. É empreender o caminho de volta ao lar, à casa do Pai, que sempre nos espera para, através do Sacerdote, fazer o que mais ambiciona e deseja: perdoar-nos, pois a Sua misericórdia é imensa e eterna.
A Cruz de Cristo remata na Ressurreição, por isso a Quaresma desemboca na Páscoa e o Sacramento da Confissão na alegria mais genuína e mais humana de um cristão.
Defeitos todos temos, é próprio dos homens, mas o mal está em pactuar com eles, em não os assumir para lutar e acabarmos por ceder, arranjando desculpas.
Nas questões espirituais tudo tem remédio, todas as doenças têm cura – e não são os que gozam de boa saúde que necessitam de médico, mas os doentes…
O carácter terapêutico e medicinal do Sacramento da Confissão faz com que a experiência do pecado não degenere em desespero nem mero sentimento de culpa mas desemboque num mundo de graça, de paz e de harmonia.
Voltar e recomeçar é sempre o lema da luta, pois o problema não está em cair, mas em levantar-se de imediato, em “reparar os estragos” e ajudar a alma a rejuvenescer para que, mais fortalecida, rejubile na alegria de poder partilhar dos benefícios divinos.
A Quaresma é, por excelência, o tempo oportuno para nos esmerarmos no encontro com Cristo, através da Penitência, e reiniciarmos o caminho de regresso ao “Paraíso Perdido”.
Maria Susana Mexia

Indiferença e Vaidade

31-03-2015 11:54

Na mensagem de Quaresma, o Papa Francisco fala de “globalização da indiferença”.
A interpelação que nos é feita é óbvia, mas muito difícil. Difícil porque a nossa indiferença é tão profunda que já nem nos preocupamos com o facto de o sermos.
Daquilo que observo em mim e nos outros, todos nos convidamos uns aos outros a vivermos numa espécie de espaço negativo, vazio, terra de ninguém.
O espaço do nim. Lugar onde tudo é aceitável, porque não temos a diligência de fazer o bem, de defender o bem, porque quem faz tem de arregaçar as mangas, tem de dar a cara, tem de procurar argumentos, tem de ouvir contra-argumentos. Dá um certo trabalho.
Nalgum momento da história, decidimos começar a não querer chocar com ninguém, a viver de acordo com tudo e com todos, vestir todas as camisolas, como se fosse aceitável dizer que sim e que não à mesma coisa, quase ao mesmo tempo. E vemos isto em todo o lado. No trabalho, para não ferir suscetibilidades.
Nas conversas coloquiais, assentamos a cabeça, para continuarmos amigos de todos. No fundo, todos preferimos andar silenciosamente, fazendo de conta que tudo está bem, que todos atuamos muito bem, que a sociedade se autogere na perfeição e que, mesmo que não o faça, não vou ser eu a mudar o rumo das coisas.
Na escola dos miúdos, porque temos medo que a professora rejeite o nosso filho e porque, da escola, os professores é que sabem.
Não sei se sente o mesmo, mas já tenho dado comigo, calada, perante elocuções completamente bárbaras, a preferir calar-me e fugir porque não me lembro, no momento, de nenhuma forma de lidar com aquilo.
O problema é que esta atitude se torna viciante e se alimenta daquilo que cada um tem de mais certo em si mesmo- a soberba/ a vaidade.
A pouco e pouco, vamos dizendo para nós mesmos “Sou bestial, não me meto em chatices, todas as pessoas gostam de mim…”. UAU, a seguir é o vazio completo. Vivemos no conforto do vazio.
Um vazio de alma que não nos leva a lado nenhum.
Bem, dizia que não nos leva a lado nenhum, mas isso também não constitui um problema em si mesmo. Estamos num estado de anestesia tal, num estado de tamanho adormecimento, que não sentimos falta de nada, até porque para sentir falta de alguma coisa, seria preciso uma premissa base muito importante- parar. Quem é que tem paciência para parar?
Por isso é que andamos sempre super ocupados e nunca temos tempo para nada. Está na moda não ter tempo para nada.
Na lufa-lufa dos dias, entre uma sessão de ginástica, uma tarde de compras, a psicanálise e as atividades extra-curriculares dos filhos, estamos prontinhos para mais uma temporada de “paraíso do nada”.
Quem não quiser, pode sempre tentar sintonizar a sua antena para outras atmosferas, respirar fundo e deixar-se estar em silêncio. Sem pressas, chegará o momento em que as grandes perguntas surgirão.
Paulatinamente, teremos a oportunidade de ponderar o que queremos da nossa vida, que tipo de pessoa queremos de facto de ser e que aspetos temos de mudar.

 
 

Dia do pai

31-03-2015 11:54

Desde há alguns anos que no dia 19 de Março é celebrado o Dia do Pai.
Para além do aproveitamento comercial da data, em que se propõem as prendas mais insólitas, é importante que os filhos se dêem conta do papel singular que representa nas suas vidas, a figura ímpar do Pai.
Em tempos mais antigos, o Pai representava uma autoridade distante e pouco afectuosa. Creio que essa forma de relacionamento do Pai com os seus filhos se deveria à ideia de que um trato mais carinhoso conduziria a uma quebra dessa autoridade o que era impensável na altura. Hoje, as relações são muito diferentes e, em certos casos, cai-se no extremo oposto: o Pai quer ser visto como Amigo e abandona por completo uma relação respeitosa que enfraquece e mina a importância única que o Pai tem na vida dos seus filhos, como guia e educador.
Desde a nossa infância que os Pais nos dão segurança, o Pai e a Mãe são os modelos que gostamos de seguir e até é comum ouvir uma criança muito pequena afirmar categoricamente: É assim porque o meu Pai disse.
Observando as coisas por outro prisma, chama-nos a atenção o cuidado que os Pais têm na sua relação com os outros membros da família e com as outras pessoas, a sua forma de agir e de falar, porque as crianças observam tudo e, de facto, põem a sua confiança nos Pais, que tendem a imitar.
É pois necessário que os Pais não abdiquem de o ser e que os filhos sintam por eles Amor, Respeito e Reverência, pois só assim se desenvolverão de forma harmoniosa e serão pessoas felizes e equilibradas, capazes de criar e educar bem os seus próprios filhos.
Margarida Raimond
Professora

Querer ser feliz

31-03-2015 11:52

A felicidade é para muitos um dilema disperso e algo profundamente subjectivo. É, sem dúvida, um substantivo abstracto para muitos difícil de compreender. E é talvez por isso que é tão dificil encontrá-la, porque estas coisas gasosas que não se tocam têm que sofrer refrigerações morosas para que se reunam num só, em algo mais ou menos concreto. É preciso criar nuvens, arrumar ideias, instruir o pensamento que é como quem diz: formar a consciência.
Esta é primária e vem com alguns defeitos de fabrico, não se nota? A tendência que o ser tem para o fácil, para o cómodo; o estranho amor à preguiça, à soberba. A propensão para não trabalhar, negligência, moleza, aquele misto de ódio e desgosto provocado pela prosperidade ou alegria de outrem, arrogância, orgulho, lascívia, libertinagem, cobiça, concuspiscência, cólera ou aquela paixão que nos incita contra alguém.
Agora acarreto com as consequências desta anterior inumeração e pasmo de dor, porque percebo que, por mais voltas que dê, acabo por ter um pouco de tudo aquilo que disse. Todos os dias. Pobre de mim que “não faço o que quero e faço o que não quero”. Mas, mesmo assim, (e a boa noticia é esta): a felicidade existe.
Mas, se existe, onde está? Porque é que todos os dias batemos com a cabeça na parede e percebemos que podiamos ter feito muito mais? E o que é mais irritante é que a seguir somos capazes de dormir descansados. Como é que temos o descaramento de dormir descansados sabendo que não andamos a fazer o mínimo para honrar a nossa existência? Como é que acordamos no dia seguinte sabendo que para além de não andarmos a fazer esse mínimo ainda ousamos dormir sobre isso. Dormimos e até sonhamos que estavamos a comer gelados.
Tantas perguntas e a confusão paira no ar! A mãe põe-me a mão no ombro e relembra-me a indefinidade da vida; o pai, esse olha-me de lado, revira os olhos e sugere-me o internamento. Mas eu cá não me conformo e mastigo o “ser feliz” até se me doerem os dentes.
O condensar das “partículas felicidade” é capaz de ser mesmo um processo moroso e complicado, portanto, tem que ser levado cada dia. Talvez pensar: eu não vou ser feliz amanhã, ou quando acabar aquela semana horrível de trabalho, quando terminar a faculdade, quando tiver aquele carro espetacular, quando conhecer o homem ou a mulher dos meus sonhos ou quando me reformar e passar o dia no sofá (aí, sim, é que vou ser feliz!). Pensar: eu sou feliz hoje que sou uma arca de projectos maravilhosos e que posso lutar por ser quem eu quiser, duas palavras: coragem e vontade. O tempo é meu. Esse viver ao sabor do vento sem intervir no seu rumo não é meio para agarrar a matéria gasosa que se escapa ao mínimo descuido. Não se trata do chamado “viver o presente” mas é um tal “contruir o futuro” que soa muito melhor a alguém que mais alto quer chegar, que quer ser verdadeiramente feliz (aqui ou quando formos matéria gasosa). Portanto, ser feliz, é querer ser feliz. Vamos cair? Inevitavelmente. Ainda continuaremos a ter cá dentro tudo aquilo que não queriamos ter.
Como disse Bento XVI, “o mundo é salvo pela paciência de Deus e destruído pela impaciência dos homens” que querem ser felizes a todo o custo, sem pensarem um segundo no que é e onde encontram a verdadeira felicidade.
Frederica Vian Costa- Médica

“Dá-me de beber”!

27-01-2015 18:57

Todos os anos de 18 a 25 de janeiro, os cristãos são convidados a mergulhar numa onda gigantesca e centenária conhecida por “oitavário de oração pela unidade dos cristãos”. A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é um momento privilegiado para oração, encontro e diálogo. É uma oportunidade para reconhecer a riqueza e o valor que estão presentes no outro, no diferente, e para pedir a Deus o dom da unidade. Neste tempo especial, o desafio é pedir ao PAI e CRIADOR de todas as coisas o dom de Unidade dos CRISTÃOS. É uma atitude nobre que o Mestre dos mestres, Cristo Jesus, nos deixou como exemplo e testamento, momentos antes de entrar na Glória do seu Pai, mediante o sacrifício e morte na Cruz. Rogo, ó Pai, “Para que todos sejam um, assim como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que Tu me enviaste. Dei-lhes a glória que Tu me deste, para que sejam um, como nós somos um: eu neles e Tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como me amaste a mim. (Jo 17, 20-23)
Neste ano 2015, como há décadas, a comissão responsável pela dinamização da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, foi à Sagrada Escritura buscar o tema e o modelo para esta ocasião. Porque a Palavra de Deus “é uma lâmpada para os nossos pés, uma luz para os nossos caminhos” (Sl 119,105), sugere como modelo Jesus, sulcando os caminhos para a Judeia, na Galileia, passando por Samaria. Na Samaria, junto ao posso de Jacob, Jesus cansado e sedento, face a face com a samaritana, sugere o tema e a inspiração para a abertura e o diálogo entre todos, mediante o pedido: “DÁ-ME DE BEBER”! (Jo 4,7)
Ainda acontece que, em vez de uma busca comum de unidade, a competição e a disputa sejam uma característica do relacionamento entre as Igrejas e mais grave ainda uma prática nos nossos pequenos núcleos católicos. Vale a pena ler São João, capítulo 4, 1-42, para sentir a importância de conhecer e compreender a sua própria identidade para que a identidade do outro não seja uma ameaça. Importa ter confiança no outro e não se sentir ameaçado; e estar capacitado para experimentar o outro como algo complementar. Ninguém prospera fechando-se em si próprio, na sua cultura ou em preconceitos. A imagem que emerge das palavras “DÁ-ME DE BEBER” é algo que nos fala de complementaridade: “beber água do poço de alguém” é o primeiro passo para experimentar o modo de ser pessoa, o modo de ser outro. Isso leva a uma partilha de dons que nos enriquece. Quando os dons do outro são recusados, há prejuízo para a sociedade e para a Igreja.
Jesus não deixa de ser judeu porque bebeu água oferecida por uma mulher samaritana. A samaritana permanece sendo ela mesma ao acolher o caminho de Jesus. Quando reconhecemos que temos necessidades recíprocas, a complementaridade acontece em nossas vidas de modo mais enriquecedor. Esse “Dá-me de beber” impulsiona-nos a reconhecer que pessoas, comunidades, culturas, etnias, religiões, todos e cada um precisam uns dos outros.
 “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 14,35)
“Amar uns aos outros” neste contexto diversificado, multicultural… porque isto faz parte do plano de Deus. O Papa Francisco, o Pontífice da Igreja Católica, como Jesus, continua a unir as diversas sensibilidades e a rasgar caminhos; na ocasião do Encontro com os Representantes da Comunicação Social, em 13 de março de 2013, sabendo que estava ante uma diversidade de sensibilidades religiosas, disse que lhes daria a bênção; no entanto, para não ferir a sensibilidade ou consciência de alguém, invocou a bênção em silêncio, porque independentemente da situação ou ideologia de cada um, Deus não deixa de ser Pai de todos.
O desejo da Unidade, no meio da diversidade, faz parte do nosso ADN cristão, faz parte, repito, do Projeto de Deus. Este desafio não é limitado a alguns que vivem nos confins da terra ou algo confinado aos grandes deste mundo. É dirigido a cada um, a cada cristão. A concretização deste desafio começa no interior de cada um, naquela família que mora na periferia ou no centro da nossa paróquia (…). O desejo de Jesus vai ganhando corpo e vida em muitos lugares e contextos. O que dizer sobre as diversas celebrações e diálogos ecuménicos que vão acontecendo nos diversos pontos do Globo? No entanto, para alcançarmos o universal, importa desde já dar peso ao particular. É antes de mais grandioso sentir que a nossa família é verdadeiramente “uma igreja doméstica”. Sim, porque o diálogo, a partilha de responsabilidades, de bens, de afetos estão presentes; a oração não é uma questão secundária, faz parte do seu dia-a-dia! Que dizer dos párocos, dos catequistas, dos diversos agentes pastorais que têm como principal objetivo a proclamação do Reino de Deus? “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 14,35)
O gesto de encontro de Jesus com a Samaritana continua a ser hoje um símbolo de abertura e um convite àquela abertura mútua: “DÁ-ME DE BEBER”! (Jo 4,7).
Pe. Ilídio Graça

Amnésia familiar

27-01-2015 18:57

Numa época de enorme amnésia familiar e social, a Associação Famílias sugeriu um dia de “Memórias da Família”, o qual será celebrado todos os anos, no primeiro Domingo de Dezembro. “Preservar e promover a memória familiar colectiva, é trabalhar por famílias mais equilibradas e por uma sociedade contemporânea mais estável”.
Rezar pelos familiares já falecidos, preparar uma refeição com iguarias típicas de cada família, visitar localidades ou moradias de antepassados e recordar e criar condições para um diálogo intra-familiar e inter-geracional de memórias, recordações, hábitos e tradições dos tempos vividos, poderão ser óptimas sugestões para fazer a ponte entre passado e presente, rumo a um futuro mais ciente e consciente.
Os mais velhos sabem histórias dum passado comum e conhecem factos familiares, que nos revelam as raízes e as origens de tudo o que na realidade somos.
“Com as armas atómicas a humanidade contemplou a possibilidade da nossa própria extinção. Sabotar a família é um caminho muito mais rápido e seguro para essa aniquilação”. (…) Ora, o que está a acontecer na família, por causa da mesma mudança socioeconómica, é ainda mais determinante e devastador que os impactos ecológicos. De facto, aí não está apenas em causa a sobrevivência da sociedade, mas da própria personalidade, cultura e civilização. (…) As alterações a nível familiar estão a mudar, não apenas a envolvente em que o ser humano vive, mas a sua própria identidade humana e equilíbrio emocional. (…) Todos os estudos mostram que uma família equilibrada é a forma natural e eficaz de promover a educação, saúde, felicidade e combater o crime, a injustiça e a violência”.*
Ciente da premência da Família, também o Papa Francisco, no seu recente discurso em Estrasburgo aos Eurodeputados e a toda a Europa referiu: ”Dar esperança à Europa não significa apenas reconhecer a centralidade da pessoa humana, mas implica também promover os seus dotes. Trata-se, portanto, de investir nela e nos âmbitos onde os seus talentos são formados e dão fruto. O primeiro âmbito é seguramente o da educação, a começar pela família, célula fundamental e elemento precioso de toda a sociedade. A família unida, fecunda e indissolúvel traz consigo os elementos fundamentais para dar esperança ao futuro. Sem uma tal solidez, acaba-se por construir sobre a areia, com graves consequências sociais. Aliás, sublinhar a importância da família não só ajuda a dar perspectivas e esperança às novas gerações, mas também a muitos idosos, frequentemente constrangidos a viver em condições de solidão e abandono, porque já não há o calor dum lar doméstico capaz de os acompanhar e apoiar”.
Em tempos de voracidade consumista, asfixia espiritual e afectiva, em que as pessoas têm tudo mas não sorriem, é bom recordar que a educação dos filhos não acaba nunca. Eles veem, julgam, imitam e aprendem por osmose. Logo a coerência da vida encontra-se num fio condutor do passado ao futuro geracional com paragem obrigatória no presente. Parafraseando Gilbert Chesterton -“ Em todas as famílias há problemas, mas os problemas não se resolvem dissolvendo a família. Na verdade agigantam-se.”
Sem sombra de dúvida que cuidar da árvore geneológica e aperfeiçoar os seus rebentos é o melhor antídoto para curar as muitas epidemias que têm assolado e até desmembrado esta célula, base da sociedade. Não estamos só a situar-nos num plano ético, moral ou religioso mas, essencialmente estruturante, balizador e formador de afectos, de personalidades fortes e da educação do carácter.
É que o mundo é um lugar perigoso, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam, deixam o mal acontecer e não protegem, não defendem nem preparam as novas gerações para enfrentarem com segurança e saber todas as vicissitudes e armadilhas que a vida lhes prepara deixando-os ficar à mercê do ambiente, num abandono irreversível e num desamparo de ausência de protecção e reforço familiar.
*J. César das Neves, Portugal, esse Desconhecido, D. Quixote, pp 165,167.
Maria Susana Mexia

O Rei vai Nú

27-01-2015 18:56

A educação nos valores e para os valores é uma urgência na nossa sociedade. Reflectindo sobre o tema veio-me à memória um episódio que ocorreu há uns anos numa aula de Sociologia, quando eu estava no 12º ano. O professor lançou a proposta de debatermos acerca dos “Valores”, palavra que colocou no sumário da aula.
De seguida, entreteve-se a escrever alguns tópicos no quadro, tais como “Aborto”, “Homossexualidade/Adopção”, “Eutanásia”, “Divórcio”, “Experiências Genéticas”, “Relações Extraconjugais”, entre tantos outros...
À medida que as palavras iam surgindo no quadro, eu ia adivinhando que se iria seguir um debate longo e controverso.
Não errei! O professor começou por dividir a turma, questionando quem era a favor da maioria dos tópicos e contra. Pediu que nos separássemos segundo as nossas convicções. Fui à procura do meu grupo, o grupo do “contra”, quando me apercebi que do outro lado só havia um grupo, o grupo daqueles que estavam a favor. Éramos 28! “Como era possível eu ser a única que estava “contra”? Têm de haver mais!”, questionava eu. Estava enganada.
O professor deu início ao debate, lançando os temas e pedindo opiniões. Recordo-me de naquele momento ter reflectido acerca de muita coisa, de muitas atitudes e de tanta falta de coerência. Eram 27 contra um, e o professor depressa se juntou à maioria.
No fim daquele debate senti um desconforto subterrâneo e crescente. Deparei-me radicalmente, com o homem moderno desorientado e inseguro; que perdeu a referência que lhe servia de orientação e não consegue encontrar parâmetros válidos sobre os quais fundar os seus juízos. Deparei-me com uma juventude que não sabe distinguir entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso, entre o belo e o feio, entre o justo e o injusto, entre o útil e o prejudicial, entre o lícito e o ilícito, entre o decente e o inconveniente etc. Uma juventude que vive como que suspensa no vazio. Não quero estar a ser pessimista, até porque nem me é próprio, mas fiquei chocada, quando me apercebi que as antigas certezas culturais e morais jaziam por terra; os valores sobre os quais se fundava a nossa civilização foram como que esmagados e dissolvidos; os pontos de referência do progresso e da acção perderam a sua consistência.
Perante este quadro há que levantar a voz da razão e proclamar que o rei vai nú. Mesmo que isso não seja popular, e mesmo que corramos o risco de ser considerados conservadores. A verdade é que vivemos um ambiente de fim de festa.
A atitude que tomei diante daquele debate foi resultado dos valores que defendo. Se pensamos que ser cristão é apenas estar bem com todo o Mundo, atrevo-me a dizer que andamos bastante enganados. Se fossemos do Mundo, o Mundo amar-nos-ia. Mas não somos do Mundo.
Se somos cristãos a sério a nossa fé deixará um rasto de perplexidade; a nossa liberdade interior tornar-se-á provocadora; a nossa denúncia das injustiças tornar-se-á incómoda. Se o perseguiram a Ele, também nos perseguirão a nós. Será sinal de que estamos a combater o Bom Combate.
Só me recordo de no fim da aula riscar no meu sumário a palavra “Valores”, e escrever “Contravalores”.
Hoje, sei que o que faz falta não são só os valores, mas também os critérios para os arrumar. O que nos falta é uma bússola que nos leve sempre de volta ao Oriente, como outrora aos Reis Magos, num caminho de Optimismo, onde primeiro se deva Olhar e Ouvir, Observar e só depois de uma forma Organizada, Ousar, Opinar e Orientar.  
Ana Rita de Assis Libório

Não haverá outra Florence Nightingale?

27-01-2015 18:39

Num destes dias, enquanto estendia roupa, as peúgas da família, dei comigo a pensar nas enfermeiras e em Florence Nightingale.
Florence Nightingale é mundialmente considerada a fundadora da enfermagem moderna. Com a sua iniciativa e o seu trabalho contribuiu para dignificar uma profissão – a da enfermagem – que até à época era um trabalho desqualificado, socialmente desvalorizado e mal remunerado, sendo os cuidados médicos prestados sem qualquer qualidade técnica e a profissão desempenhada pelas Irmãs de Caridade e sobretudo, pelas matrons, pessoas com uma conduta pessoal reprovável: alcoolismo, roubo, desleixo, promiscuidade, etc.
Estudando as condições em que os cuidados médicos eram prestados, Florence Nightingale demonstrou estatisticamente que quando a técnica e a assepsia eram respeitadas, morriam menos pessoas (naquele caso, soldados, pois a estatística foi feita nos hospitais militares do Reino Unido) do que nas circunstâncias então existentes e que era de toda a conveniência a formação pessoal e profissional das enfermeiras.
Analisando o valor social do trabalho doméstico, podemos concluir que ainda hoje, no século XXI e por cá, comunga de algumas das características da enfermagem no final do séc. XIX: socialmente desvalorizado, com um desempenho associado no imaginário a um nível socioeconómico baixo, de preferência executado por emigrantes, das quais muitas sem a escolaridade básica e sem qualquer formação técnica. E, se não é mal remunerado, comparando com outras profissões, é porque a oferta é escassa.
Mas o trabalho da casa é uma profissão? Não é só limpar o pó, despejar o lixo, cozinhar e pouco mais? Não existem hoje em dia máquinas de cozinhar? Aspiradores robots?
Existem máquinas e deviam existir ainda mais. Mas, quem as põe a funcionar? Quem tem os conhecimentos técnicos necessários para, utilizando-as, elaborar ementas equilibradas, saborosas, que diminuam os riscos da obesidade, das doenças cardiovasculares e outras? Para lavar a roupa, limpar o chão, etc., sem utilizar mais detergente que o adequado, contribuindo para a sua manutenção, durabilidade e evitando poluir o ambiente? Quem organiza o trabalho doméstico equilibrando os recursos disponíveis e evitando o desperdício? Quem está preparado para reintroduzir em casa a beleza de umas flores dispostas com gosto, de uma travessa que vem à mesa tão bonita que diminui a falta de apetite e o cansaço de qualquer um?
Num momento ou noutro, não há ninguém que não tenha vivido o caos que se instala quando, por doença, excesso de trabalho, etc. a mãe, ou quem se encarrega desse trabalho, deixa de o poder realizar.
Para não referir os desastres causados pelos que começam a desempenhar esta profissão: refeições intragáveis, panelas queimadas, peúgas no lixo, máquinas avariadas, etc… e o orçamento familiar com cada vez menos recursos disponíveis.
Frequentemente, nos meios de comunicação social, no Parlamento e em outras tribunas públicas, lamenta-se o facto de as mulheres a exercerem cargos de elevada responsabilidade serem muito poucas.
Penso que uma das razões porque isto acontece é que nenhuma mulher consegue, sem ajuda, compatibilizar essas funções com as domésticas. Sem a ajuda preparada e experiente de alguém é muito difícil compatibilizar dois trabalhos igualmente exigentes e por isso a escolha inteligente quando não a única, é optar por sacrificar a carreira pública, por assim dizer, pela doméstica e conseguir estar mais tempo em casa, proporcionando aos outros membros da família um bem-estar que de outro modo seria difícil de alcançar
Por isso pergunto-me: no início do Séc XXI, tal como Florence Nightingale no Sec. XIX, não será altura de repensar o valor do serviço doméstico? Reconhecer a mais-valia deste trabalho, as condições em que deve ser prestado, a necessária formação técnica e humana e deste modo contribuir para o justo prestígio de uma profissão tão preconceituosamente vilipendiada. E, claro, passar das palavras aos actos na decisão política.
Maria Filomena Santos - Advogada

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