O espírito de São Gaspar envolve-nos

31-10-2014 11:54

No passado dia vinte e um de Outubro, os Missionários do Preciosíssimo Sangue celebrámos na missa e na mesa, com especial entusiasmo, a festividade de São Gaspar del Búfalo, nosso fundador.
Quando se cumpre o mês da minha entrada na Comunidade Missionária de Proença-a-Nova, e por já ter visitado a maioria das Comunidades da Unidade Pastoral, fico gratamente surpreendido e admirado pela similitude entre a missão mais significativa do Santo e a actividade desenvolvida pelos seus missionários nesta terra tão linda, e em meio desta gente tão acolhedora.
Comparo, pois: no início do século XIX, a Europa foi apanhada pelas garras da águia imperial francesa. Pio VII, alguns cardeais e boa parte do alto clero de Roma e os seus arredores foram exilados e apinhados nos cárceres por terem resistido a assinar o «juramento de fidelidade» aos imperativos e ditames do ditador Napoleão. Entre os deportados está o jovem Gaspar del Búfalo, com apenas vinte e quatro anos. A negativa, declarada com um enérgico e audaz “Não posso, não devo, não quero” assinar, foi o detonante que provocou o arresto, primeiro, e, a seguir, a prisão.
Derrotado Napoleão, vários anos depois, todos os que não tinham morrido vitimas das condições tão calamitosas, regressaram às respectivas sedes, encontrando a Igreja “desencabeçada” e o povo sumido numa grave crise religiosa, politica, moral e cultural, agravada pela abundância  de “guerrilheiros” que, fugindo da guerra, se refugiaram  nas montanhas das províncias vizinhas da Cidade Eterna, Roma. Falamos dos Estados Pontifícios pertencentes ao governo da Santa Sé. Províncias materialmente ensanguentadas pela barbárie, a rapina, o rapto de pessoas e a vingança, levadas a cabo pelos bandoleiros. Do seminário de Terracina foram levados, numa só noite, dezoito seminaristas junto com os reitores. Foi tal a tensão naquela altura, que o Papa, mal aconselhado, decretou a demolição da vila de Sonnino, a maior protectora dos rebeldes.
Reunidos o Secretário de Estado, Consalvi, e o Ecónomo Geral, Cristaldi, do Vaticano, desenharam então um projecto de reforma aprovado por S.S. Pio VII: todo o território ocupado pelas bandas assassinas teria de ser evangelizado por meio duma campanha de “Missões Populares”. Feita a missão, nas vilas mais povoadas deveriam erigir-se “Casas de Missão”, quer dizer, Casas habitadas por vários missionários, que continuassem atendendo e acompanhando as comunidades missionadas, assim como as aldeias confinantes. Ambos os estrategas propuseram ao Papa o nome da pessoa mais intrépida, melhor pregadora, com o prestígio de ter resistido os embates napoleónicos e com a fama da sua santidade: Gaspar del Búfalo. O nosso fundador, sempre confiante na Providência, aceitou o desafio e fundou, junto com os seus irmãos Missionários, seis “Casas de Missão” no coração da criminalidade bandida. Seis Centros de Espiritualidade donde se oferecia a toda a gente, a nível individual ou em grupos, a possibilidade de retirar-se para orar, meditar e até estudar. Aos poucos foi evangelizada a área atribuída, os povos arrependeram-se da vida tão dissoluta vivida durante a invasão das tropas gaulesas e recuperaram o espírito evangélico perdido. Os bandidos, com uma carta dirigida aos Missionários, prometeram a deposição das armas ao mesmo tempo que imploravam a amnistia geral.
Onde a semelhança apontada? A situação entre aquilo e isto, certamente, é totalmente diferente. Nestas terras nunca vi “guerrilheiros” nem percebi amoralidade alguma; pelo contrário, vejo um povo nobre, piedoso e muito bondoso. A similitude vem das montanhas, das estradas serpenteantes, da distribuição geográfica da Unidade Pastoral e sobretudo da presença dos Missionários do Preciosíssimo Sangue, assim como do Seminário, verdadeira “Casa de Missão”, a partir  donde atendemos e acompanhamos as múltiplas comunidades encomendadas. Na nossa “Casa Missão” são acolhidos, individual ou comunitariamente, quantos procuram uns dias de retiro para orar, reflectir ou meditar.
Desfruto especialmente os domingos, quando os padres, os diáconos e os MECADP saem para as distintas aldeias com a Palavra de Deus para evangelizar e ser testemunhas de Jesus crucificado, que derramou o seu Sangue pela reconciliação dos povos. Eu, Missionário, filho de São Gaspar, sim, percebo e sinto que o espírito infatigável, generoso, audaz… do nosso santo sobrevoa nas torres das nossas Igrejas e capelas soprando no coração dos fiéis a força espiritual que surge e brota do Sangue de Jesus, tão precioso como divino.
               Padre Paco