Pedagogo proencense marcou ensino nas antigas colónias

31-10-2014 11:47

A “Cartilha maternal” e o método de leitura do poeta e pedagogo João  de  Deus  marcaram  de  tal  forma  o  ensino  em  Portugal,  que  poucos  se lembrarão  de  outros  manuais  com  expressão  na  história  oficial  da educação. Mas no Galisteu Cimeiro, filho de José Fernandes e de Maria Catharino (do Pergulho), nasceu, a 21 de novembro de 1888, Alfredo Fernandes. Foi autor da “Cartilha Experimental”, que teve pelo menos 25 edições e um papel marcante no ensino, articularmente em antigas colónias. Alfredo Fernandes dedicou a sua vida ao ensino e lecionou na Escola Comercial Rodrigues Sampaio, em Lisboa.
O mais conhecido livro do autor teve a primeira edição em 1919 e é um  manual  muito  simples,  intitulado  “Cartilha  experimental:  Processo intuitivo, analítico, sintético, inventivo, fonomímico e legográfico”. Nele o autor diz seguir o método globalístico, mas partindo da palavra e não da frase: “Apresento primeiro a palavra, depois a sílaba, finalmente a letra, porque a criança não começa a falar por frases mas sim por palavras”.O  manual  era  acompanhado  pelo  Vialitra,  uma  caixa-quadro  com letras móveis, moldadas e coloridas. O quadro continha um total de 108 letras móveis, de quatro centímetros de corpo, sendo as vogais cor-de-rosa e as consoantes verdes. A manipulação pelas crianças auxiliava e sedimentava as aprendizagens iniciadas através da cartilha.
O  manual  e  o  método  nele  proposto  foram  adotados  em  muitas escolas  primárias  da  época,  no  continente  e  nas  colónias,  havendo inúmeros registos de professores que confirmam o sucesso. Animado pelo bom  acolhimento  dispensado  à  obra,  Alfredo  Fernandes  publica,  em 1932, a “Vida infantil: Leituras para a 1ª classe”, que é a continuação do anterior,  com  o  objetivo  de  “acompanhar  a  criança  na  sua  evolução mental  e  afetiva,  apresentando-lhe  trechos  cujo  assunto  se  harmonize com os seus interesses, com a sua capacidade intelectual e com o meio em que vive”.
No ano seguinte a saga didática prossegue com “Baloiçando: Leituras para  a  2ª  classe”.  
Constitui  a  continuação  da  Vida  infantil  e  conta  a história de uma criança da cidade que, como prémio pela sua aplicação no ano anterior, vai passar um ano à aldeia e aí é posta em contacto com a natureza. Ana Isabel Madeira, autora de uma tese de doutoramento que reflete sobre o Ensino e a Escola em Moçambique, entre 1850 e 1950, refere claramente  a  contribuição  do  pedagogo  proencense  para  o desenvolvimento do ensino em Moçambique. Explica Ana Isabel Madeira que, nos anos 20 do século passado, os professores, pressionados pelo avanço dos ingleses, sentiam a necessidade de ensinar rapidamente a língua  portuguesa,  os  valores  e  os  símbolos  nacionais  e  por  isso procuravam  métodos  eficazes  de  leitura  e  de  escrita.  Consideravam urgente  introduzir  algum  experimentalismo  pedagógico  e  relacionar  a leitura e a escrita com artefactos e atividades locais.
Uma  carta  enviada  de  Angola,  em  agosto  de  1922,  por  um missionário laico enviado pela 1ª República, testemunha o interesse que a cartilha despertou para alfabetização em África. Na carta endereçada ao diretor  do  Instituto  das  Missões  Laicas,  em  Cernache  do  Bonjardim,  o missionário defende que o livro conquista o interesse das crianças graças às muitas gravuras que contém. “As crianças que por essa cartilha ensinei mostraram-se  desde  o  início  extremamente  interessadas,  até  mesmo entusiasmadas em ver as gravuras e conhecerem os objetos e as suas
aplicações, que eu lhes ia explicando. Ao mesmo tempo que eu lhes ia ensinando a compor as palavras e a pronunciá-las, iam aprendendo e compreendendo a ideia do objeto e indelevelmente fixando o termo. E aprendiam em menos de metade do tempo.” A ação educativa das Missões Laicas em Angola e Moçambique terá sido decisiva para a divulgação da Cartilha Experimental às províncias ultramarinas. Hoje não restam dúvidas de sucessivos envios de centenas de  livros  para  aqueles  países,  dando  ao  pedagogo  Alfredo  Fernandes uma projeção hoje raramente reconhecida, mesmo a nível local.
Adaptado de textos do prof. António Manuel Martins da Silva