A morte como plenitude e a outra face da vida

17-11-2010 18:18

 Um Olhar pelo Património  

O mês de Novembro, em pleno Outono, naturalmente marcado pelo encanto da natureza que se recolhe para o Inverno e pelas folhas que antes de caírem se revestem dos mais belos tons, leva “Um olhar pelo Património” a fugir ligeiramente da habitual rubrica (capelas e envolvências) para se centrar, ainda que ao de leve, em dois temas que esta estação convida a reflectir: o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados, ou dos fiéis defuntos, isto é, a vida humana plenamente realizada e a morte como outra face dessa mesma vida. Ora, antes de mais, a designação “Todos os Santos”, que a Igreja Católica comemora no dia 1 de Novembro, visa celebrar conjuntamente todos os cristãos que se encontram na glória de Deus, tenham ou não sido canonizados. E, nesta devota e participada celebração, emerge com todo o sentido a seguinte pergunta: a santidade está ao alcance de qualquer ser humano? “Deus escolheu-nos, antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados diante d`Ele, no amor”( Ef 1,4). No entanto, propor-se hoje atingir a santidade ou fazer um apelo à santidade é correr o risco de causar estranheza, suspeição ou mal-entendidos. Porquê é que para muitos dos nossos contemporâneos o “ser santo” se afigura como que uma meta longínqua ou inatingível e pouco desejada? A verdadeira santidade realiza-se procurando Deus. Porque a causa da nossa santidade não está simplesmente nos nossos méritos ou esforços mas, acima de tudo, na pura liberalidade do amor gratuito de Deus. E encontrar Deus requer e urge eliminar as fronteiras da incredulidade e do medo. Então, entender-se-á que a santidade não é para uma elite. É para todos os que deixarem que Deus seja Deus nas suas vidas. Aliás, São Paulo chamou “santos” aos destinatários das suas cartas. Entendendo que a vida cristã, apropriada pelos baptizados no Baptismo e pela fé, só pode ser santa. Mas impõe-se que o cristão responda continuamente à exortação de São Paulo, vigente na Sagrada Escritura: “Despojai-vos do homem velho e das suas obras e revesti-vos do homem novo, que se vai renovando até alcançar o conhecimento perfeito segundo a imagem do seu criador, onde não há grego, nem judeu… e que Cristo é tudo em todos” (Cl 3,9-11). Após isto, emirjo sofregamente no ritmo da natureza outonal, se calhar como um contemplativo, para assimilar a metamorfose das folhas das árvores. E sem querer forçar o esquema, ver nesta imagem a nobreza do entardecer da vida de muitos santos que se despedem e se recolhem serenamente no mundo de Deus. Ora, a Igreja, na sua admirável pedagogia de fé, que respeita os ritmos da natureza, optou sabiamente ao tomar o mês de Novembro para nos recordar o mistério da morte com a celebração dos fiéis defuntos logo no inicio, a 2 de Novembro, e dedicando todo o mês à meditação da morte e à contemplação do Purgatório. Penso que quem observa a natureza, obra do Criador, e acompanha o ciclo natural dos seus movimentos, toma a sério as questões relativamente à santidade e à morte.

Não obstante, paradoxalmente, a morte, tão patente na realidade, embora mantendo certo anonimato, é, por outro lado, escondida e considerada como tabu. Efectivamente caíram tantos tabus, como o sexo, … mas a morte é hoje, mais do que nunca, proibida de mostrar, quase como uma coisa obscena. As razões de iludir ou mesmo de negar a morte na sociedade actual aparecem de muitos rostos. Por exemplo: no mundo Ocidental e desenvolvido, o consumismo não pode pactuar com a morte, sob pena de perder poder de compra e de venda. A morte incomoda o homem que deifica o ouro, o sucesso e o prazer. O homem moderno tenta compensar o seu mal-estar existencial com o bem-estar material.

Há ainda muita gente que exorciza ou ignora a morte. Isto gera uma sociedade neurótica e traumatizada. Enquanto pensar no sentido da vida e da morte e assumi-la como constituinte natural da vida, conduz à maturidade e ao equilíbrio. Diz alguém: rejeitando o sentido da morte fica em grande parte rejeitado o sentido da vida, pois trata-se de duas faces da mesma moeda. Como afirma o Dalai Lama, “ao reflectir, sobre a morte e ao estar constantemente consciente dela, a vida adquire um sentido pleno”. O nevoeiro denso que, em muitos dias de Outono, nos envolve também é um convite ao recolhimento… Khalil Gibran, em “O profeta”, dedica um belo texto à morte, ao jeito da sabedoria Ocidental: “Gostarias de saber o segredo da morte! Mas como o encontrareis, a não ser que o busqueis no coração da vida? São uma só coisa, como são o rio e o mar. Se verdadeiramente quereis contemplar o espírito da morte, abri de par em par o vosso coração ao corpo da vida. Porque a vida e a morte são uma só coisa como são o rio e o mar. Que é morrer senão erguer-se nu ao vento e fundir-se com o sol?”.

“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá para sempre” (Jo 11,25-26).