As maravilhas da vida de uma mãe a tempo inteiro… ou não?

14-05-2014 19:14

Calculo que o que se espera de uma mãe a tempo inteiro é que descreva exaustivamente as vantagens incríveis desta ocupação. Calculo que o que se espera de uma mãe a tempo inteiro é que, ainda que descabelada e meio desengonçada, consiga enunciar com detalhe todas as suas atividades caseiras, explicando que poupa imenso dinheiro em empregadas e que consegue estar super contente quando o marido e os filhos chegam ao final do dia. Calculo que o que se espera de uma mãe a tempo inteiro é que assuma que até tem saudades de uma carreira profissional de sucesso (que teve ou que nunca teve), mas que a família vale todos os sacrifícios. Pois então, para não defraudar as expectativas, aqui vai. As vantagens de ser mãe a tempo inteiro são imensas, porque de facto, como de resto já deve estar à espera, posso dar tudo de mim à roupa (soa um pouco romântico demais!), à alimentação, à arrumação e sobretudo aos meus filhotes. Posso ir buscá-los mais cedo à escola e ir com eles à biblioteca municipal; posso prescindir dos serviços de ocupação de tempos livres para pô-los a correr pelo quintal fora; posso levar o mais velho comigo às compras e explicar-lhe as minhas escolhas económicas; posso escrever um texto a meio da manhã; posso fazer um bolo com a minha princesa a meio da semana; posso levá-los à música; posso almoçar com o maridão (cá por casa, porque os tempos não dão para loucuras!); posso ir às consultas de rotina; posso participar na Associação de Pais e posso falar com uma amiga ao telefone ou enviar-lhe textos e vídeos giros que encontrei na internet. Parece pouco comparado com a tal vida profissional de sucesso de que nos podemos gabar nas conversas sociais, ou que podem resumir uma vida quando formos velhinhos, mas é a minha vida.
Parece pouco comparado com uma vida social ativa, de almoços nos snacks da moda, de compras de trapinhos (porque só mais um nunca é demais!), mas é a minha vida. Escolhi-a… ou melhor, mais ou menos escolhi-a… melhor, aceitei-a e não se está nada mal. Claro que às vezes a vontade de me pentear e de me vestir benzinho para ir fazer sopa ou lavar o chão não é muita. Claro que às vezes apetecia-me loucamente ter dinheiro para ir arranjar as unhas como as amigas, comprar uma roupinha atualizada, almoçar ou jantar fora com o marido e namorar um bocadinho. Claro que às vezes me apetecia dar uma conferência, fazer uma tradução ou escrever para um jornal e deixar a esfregona para trás.
Não. Não posso dizer que esta vida de mãe a tempo inteiro é perfeita (ninguém acreditaria!).Há muitos dias em que não é, mas depois, quando paro um pouco para pensar melhor, não há como escapar às evidências e escamotear o facto de poder estar sempre por perto dos que realmente importam - o meu marido e os meus filhos. Porque, se olharmos com cuidado, de que serviria poder ter aquela carreira de sonho, ter uma família criada pelas empregadas, ter um armário cheio de roupinhas lindas e super-modernas, ir ao ginásio fazer pilates ou zumba, ter unhas de gel ou gelinho e, no final do percurso, ter andando a ver passar os comboios?
Obviamente que tudo isto também é pouco de auto-ajuda para me dizer a mim própria que estou no sítio certo, na hora certa e que tenho de fazer o que está certo. É também uma forma de assumir que estudei para ter uma determinada função, que fui apanhada pelos tempos e não consegui pôr em prática as competências que adquiri, mas se calhar o ditado popular tem algum sentido e não vale mesmo a pena chorar sobre leite derramado. Sobretudo se o leite derramado me permite descobrir outras competências, outros horizontes bem mais interessantes.
Rita Gonçalves
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas variante Português e Francês
Pós-graduação em Ramo de Formação Educacional
Mãe a tempo inteiro (forçada e por vontade própria ao mesmo tempo)