Caro Professor – “Apatetar é o que está a dar”

29-09-2011 18:40

Mais um ano lectivo começou, mais um rosário de conflitos, incoerências e incompreensões que os docentes vão ter de penar.

Excluindo alguns alunos e respeitosas famílias que bem cumprem o dever de educar, fazendo jus ao ditado “ quem dá o pão dá a educação”, sabemos que a maior percentagem dos agregados familiares já assim não funciona, talvez porque não se usa comer pão e se comem pizzas congeladas, hambúrgueres e outros…

Como consequência desta lacuna balizadora temos um grande número de alunos “ muito espertos”, “muito inteligentes” e “dotados”, daqueles que nem necessitam de estar com atenção às aulas, nem de estudar para aprender e saber, pelo que só mesmo a má vontade dos docentes é que não lhes permite enxergar a “fina inteligência dos pimpolhos” e como o professor tem“ a faca e o queijo na mão” vai de chatear o infeliz, repreendê-lo, marcar-lhe faltas de mau comportamento e, no fim do ano, ainda lhe vai dar uma nega.

Não obstante as advertências, as queixas e, quiçá, as ameaças de alguns encarregados de educação que “transbordam em razão” e afirmam a pés juntos que o maldito professor parece que se licenciou só para tramar a vida daquelas indefesas criaturas, pois como não gosta deles, persegue-os, faz-lhes a vida num inferno e, no fim, ainda os reprova.

Não é justo dirigir a sua vingança só para os “hiper-inteligentes”, os “hiper-activos”, os “hiper-irrequietos”, numa palavra os “hiper-mal educados” que são vítimas dum ambiente permissivo e duns pais que não os ensinaram a saber estar numa sala de aula, a desenvolver atitudes e comportamentos adequados à aprendizagem. É para aprender que se vai à escola e um estudante que perturba, não estuda, não deixa ensinar, é irreverente, não cumpre a sua função de discente, não leva a sua profissão de estudante a sério, com honestidade e torna-se num flagelo para a sociedade, não falando no inferno que provoca na aula.

Chega o mês de Setembro e lá vão eles todos e extravasar “bronze”, meios descascados/as, ainda a cheirar a protector solar, iphones novos, blackberrys a estrear e auriculares em jeito de brinquinho a sair por cima do piercing da orelha, para não referir outros em outros sítios, mais ou menos visíveis, mas que ficam a cargo do professor de educação física…

Aí estão eles em contacto directo com o mundo para poderem mandar todos os e-mails necessários aos esquemas juvenis, as SMS indispensáveis durante as aulas, com aqueles dedinhos tão ágeis que fazem inveja a qualquer normal, preparando-se em ritmo acelerado para o grande copianço no dia dos testes. Sorte madrasta, são vítimas da própria sociedade que os segregará e trucidará tão imbecilmente como os seduziu a viver neste modelo. Vicissitudes duma falsa ilusão de evolução acompanhada da ausência de bom senso, de balizamento paternal, de referências, de ordem e de sentido de vida.

Caros professores deixai que vos dirija as palavras de Bento XVI: “Não vos preocupeis”. Deixai apatetar mais quem pateta já é, pois “quem nasce torto tarde ou nunca se endireita”. Não compliqueis muito as coisas, dai positiva a quem não sabe, deixai copiar – (muitos pais até consideram ser um acto de mestria e de esperteza copiar sem ser apanhado, não percebendo que colaboram na estupidificação, pois em vez de aumentarem o seu conhecimento são meramente copistas) – deixai brincar, telefonar, gatinhar, uivar ou emitir outros sons próprios do jardim zoológico, pendurarem-se no tecto, vender ou passar droga, trocar preservativos, sei lá que mais eles – alguns – aprenderam em forma vermelha e quente de morango, ou nos sites mais vulgares da internet, sem que ninguém de casa ousasse pôr cobro a tamanho crime.

Não confronteis a “inocência perversa” de tão sábias criaturas, já lhes basta serem patetas quanto mais ainda serem incompreendidos pelos professores e vitimas dum sistema educativo altamente traumatizante que os obriga a saber fórmulas, equações, ler textos, interpretá-los, reflectir sobre alguns problemas, tudo tão abstracto e esquisito, tudo tão além da sua mediocridade que até lhes provoca vertigens.

Miragem, miragem, miragem, excepto, claro, para aqueles alunos, pouquitos, que apostam na excelência, que são honestos, trabalhadores, que cumprem, que são briosos, que têm objectivos a atingir e, em casa, pais que lhes pedem contas do trabalho feito na escola, que os balizam, lhes dão norte, referências, bom exemplo, estímulo, não pactuam com a mentira, com o faz de conta, não admitem irreverência nem marginalidade. Depois Caro Professor tenha a humildade de perceber que um garoto pateta e tutelado pelos pais “não vai a lado nenhum”, fica pelo caminho, dizendo mal de tudo e de todos, um revoltado da sociedade que não conta com os seus préstimos porque ele não os tem, nunca os quis adquirir e gozou com quem se esforçou por ser bom. Não force, não insista, antes, ajude-o a apatetar ainda mais, seja fixe, seja porreirinho, entre no esquema, na certeza de que, nesse exacto momento, há outros alunos com “espírito de líder”com capacidades que aplicam e desenvolvem, que conciliam trabalho, estudo, esforço, empenho, cumprindo na integra a sua missão de estudante que estuda e quer apostar na excelência. Afinal é destes que o mundo precisa, parasitas e crises já temos de sobra, não é necessário investir mais, gastam dinheiro e não produzem, minam o sistema, instalam a corrupção afogando-se nela.

Pense bem professor, talvez em cada turma ainda tenho um ou dois alunos exemplares que não têm culpa do ambiente degradado que os rodeia. Aposte forte nestes e também nos que querem aprender e têm algumas dificuldades, quer cognitivas, quer económicas, mas lutam para as ultrapassar. Seja um bom guia e uma referência na exigência do saber desta nata que escasseia mas ainda existe. Quanto aos outros, vá lá feche os olhos, deixe-os ser felizes na sua “esperta ignorância”, inflacione a classificação final para não complicar a estatística do “sucesso escolar”, pois se não o faz alguém o fará por si…Mas não abdique da sua paz, do seu “savoir faire”, das ilusões que armazenou na faculdade, estude, prepare as aulas, empenhe-se, dê o seu melhor, na certeza de que no fim do “martírio da sala de aula” terá uma sublime recompensa e um tranquilo paraíso à sua espera: os bons alunos recordá-lo-ão como uma referência, alguém que estava para lá da vulgaridade e o soube transmitir, enfim, um bom exemplo a seguir. Terá sido um modelo para os bons e o resto é paisagem que se perde de vista porque é abalroada pela tempestade das circunstâncias que nunca é meiga com quem não deixa marca, nem rasto, nem saudade.

 

Maria Susana Mexia - Professora