Cartas da Santa Casa

17-11-2010 18:02

 Sabem porventura o que é a Rede Social do Concelho?

Um conjunto de circunstâncias propícias levam-me a que vos apresente hoje o tema que já vão ver qual é.

Este fim de semana vim até Oeiras porque amanhã dia 9 vai haver um colóquio (encontro em que os participantes é suposto falarem uns com os outros) sobre o tema “Doutrina Social da Igreja (DSI), Livre Iniciativa e Pobreza”. Em Lisboa, na Universidade Católica. Um dia inteiro, conforme podem ver pelo programa que vai junto.

Também há dias tive a oportunidade de participar, em representação da Misericórdia, na reunião habitual da Rede Social do Concelho. Para quem não esteja familiarizado com estas questões, a Rede Social congrega um conjunto alargado de entidades com o propósito de combater a pobreza, nomeadamente reduzindo o desemprego pela criação de mais empresas e pela qualificação dos desempregados, apoiando as famílias em dificuldades, combatendo o abandono escolar precoce e outras pragas como o alcoolismo e a tóxico-dependência.

Desta rede social estiveram presentes o Centro de Saúde, o Serviço Local da Segurança Social, o Centro de Emprego da Sertã, as Juntas de Freguesia, o Agrupamento de Escolas, os Centros de Dia, as Misericórdias, o Instituto de S. Tiago, a Pinhal Maior e a Câmara Municipal. Não sei se me escapa algum. Tudo boas vontades, para cima duma dezena de pessoas, todas escolarizadas acima da média (“educated people”). Nessa reunião, fez-se a redacção final dum Plano de Acção a que não faltaram pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, estratégias e acções a realizar, metas a atingir, tudo muito bem calendarizado no tempo, que assim é costume nestas coisas. O dito plano vai ser publicado, estou simplesmente a chamar a vossa atenção.

Sobre a Doutrina Social da Igreja, que posso eu dizer a cristãos supostamente esclarecidos? É o conjunto coeso e dinâmico dos ensinamentos da Igreja sobre o mundo do trabalho e da empresa. Iniciada por Leão XIII (Rerum Novarum, 1891, quer dizer, das coisa novas, que novos foram os problemas trazidos pela Revolução Industrial), e apelando para o Evangelho, foi-se desenvolvendo sobretudo na segunda metade do século XX. As várias encíclicas do magistério da Igreja, ao fazerem a análise crítica das situações de desemprego e pobreza, têm em vista orientar os católicos e os homens de boa vontade na sua acção no mundo. No entanto, a DSI, porque não é da ordem das ideologias, nunca se propôs como via alternativa do capitalismo liberal ou do colectivismo marxista ou de qualquer outra solução concreta menos radical para a vida dos homens em sociedade.

Vejamos, a título de exemplo, o que nos diz a encíclica “Centesimus Annus” (assim chamada porque publicada nos cem anos da Rerum Novarum) do Papa João Paulo II, no seu nº 42:

“Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso económico e civil?

A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por «capitalismo» se indica um sistema económico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de «economia de empresa», ou de «economia de mercado», ou simplesmente de «economia livre».

Juntando agora as duas circunstâncias, a reunião da Rede Social e o colóquio da Universidade Católica, tenho a dizer que estranho muitíssimo que na primeira não esteja devidamente representado o empresariado local. Afinal são os empresários (vulgo os patrões) que sabem criar empresas com os consequentes postos de trabalho. São eles que sabem criar riqueza. Como parece evidente, a melhor forma de combater a pobreza é criando riqueza. Ou não é? Mas infelizmente cada empresário caça com o seu cão, ainda medra a desconfiança e alguma inveja. O associativismo é um longo caminho a fazer. Com persistência e sobretudo com gerações novas. Um longo caminho a percorrer. E, como diz o poeta espanhol António Machado, “caminante, no hay camino, se hace camino al andar”.

Santa Casa da Misericórdia, 08/11/2010     José Pereira Bairrada     (Provedor) - Email: provedor.scmpan@gmail.com