“Dá-me de beber”!

27-01-2015 18:57

Todos os anos de 18 a 25 de janeiro, os cristãos são convidados a mergulhar numa onda gigantesca e centenária conhecida por “oitavário de oração pela unidade dos cristãos”. A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é um momento privilegiado para oração, encontro e diálogo. É uma oportunidade para reconhecer a riqueza e o valor que estão presentes no outro, no diferente, e para pedir a Deus o dom da unidade. Neste tempo especial, o desafio é pedir ao PAI e CRIADOR de todas as coisas o dom de Unidade dos CRISTÃOS. É uma atitude nobre que o Mestre dos mestres, Cristo Jesus, nos deixou como exemplo e testamento, momentos antes de entrar na Glória do seu Pai, mediante o sacrifício e morte na Cruz. Rogo, ó Pai, “Para que todos sejam um, assim como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que Tu me enviaste. Dei-lhes a glória que Tu me deste, para que sejam um, como nós somos um: eu neles e Tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como me amaste a mim. (Jo 17, 20-23)
Neste ano 2015, como há décadas, a comissão responsável pela dinamização da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, foi à Sagrada Escritura buscar o tema e o modelo para esta ocasião. Porque a Palavra de Deus “é uma lâmpada para os nossos pés, uma luz para os nossos caminhos” (Sl 119,105), sugere como modelo Jesus, sulcando os caminhos para a Judeia, na Galileia, passando por Samaria. Na Samaria, junto ao posso de Jacob, Jesus cansado e sedento, face a face com a samaritana, sugere o tema e a inspiração para a abertura e o diálogo entre todos, mediante o pedido: “DÁ-ME DE BEBER”! (Jo 4,7)
Ainda acontece que, em vez de uma busca comum de unidade, a competição e a disputa sejam uma característica do relacionamento entre as Igrejas e mais grave ainda uma prática nos nossos pequenos núcleos católicos. Vale a pena ler São João, capítulo 4, 1-42, para sentir a importância de conhecer e compreender a sua própria identidade para que a identidade do outro não seja uma ameaça. Importa ter confiança no outro e não se sentir ameaçado; e estar capacitado para experimentar o outro como algo complementar. Ninguém prospera fechando-se em si próprio, na sua cultura ou em preconceitos. A imagem que emerge das palavras “DÁ-ME DE BEBER” é algo que nos fala de complementaridade: “beber água do poço de alguém” é o primeiro passo para experimentar o modo de ser pessoa, o modo de ser outro. Isso leva a uma partilha de dons que nos enriquece. Quando os dons do outro são recusados, há prejuízo para a sociedade e para a Igreja.
Jesus não deixa de ser judeu porque bebeu água oferecida por uma mulher samaritana. A samaritana permanece sendo ela mesma ao acolher o caminho de Jesus. Quando reconhecemos que temos necessidades recíprocas, a complementaridade acontece em nossas vidas de modo mais enriquecedor. Esse “Dá-me de beber” impulsiona-nos a reconhecer que pessoas, comunidades, culturas, etnias, religiões, todos e cada um precisam uns dos outros.
 “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 14,35)
“Amar uns aos outros” neste contexto diversificado, multicultural… porque isto faz parte do plano de Deus. O Papa Francisco, o Pontífice da Igreja Católica, como Jesus, continua a unir as diversas sensibilidades e a rasgar caminhos; na ocasião do Encontro com os Representantes da Comunicação Social, em 13 de março de 2013, sabendo que estava ante uma diversidade de sensibilidades religiosas, disse que lhes daria a bênção; no entanto, para não ferir a sensibilidade ou consciência de alguém, invocou a bênção em silêncio, porque independentemente da situação ou ideologia de cada um, Deus não deixa de ser Pai de todos.
O desejo da Unidade, no meio da diversidade, faz parte do nosso ADN cristão, faz parte, repito, do Projeto de Deus. Este desafio não é limitado a alguns que vivem nos confins da terra ou algo confinado aos grandes deste mundo. É dirigido a cada um, a cada cristão. A concretização deste desafio começa no interior de cada um, naquela família que mora na periferia ou no centro da nossa paróquia (…). O desejo de Jesus vai ganhando corpo e vida em muitos lugares e contextos. O que dizer sobre as diversas celebrações e diálogos ecuménicos que vão acontecendo nos diversos pontos do Globo? No entanto, para alcançarmos o universal, importa desde já dar peso ao particular. É antes de mais grandioso sentir que a nossa família é verdadeiramente “uma igreja doméstica”. Sim, porque o diálogo, a partilha de responsabilidades, de bens, de afetos estão presentes; a oração não é uma questão secundária, faz parte do seu dia-a-dia! Que dizer dos párocos, dos catequistas, dos diversos agentes pastorais que têm como principal objetivo a proclamação do Reino de Deus? “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 14,35)
O gesto de encontro de Jesus com a Samaritana continua a ser hoje um símbolo de abertura e um convite àquela abertura mútua: “DÁ-ME DE BEBER”! (Jo 4,7).
Pe. Ilídio Graça