Despedimo-nos uns dos outros muitas vezes

17-10-2011 18:33

Leituras Partilhadas – LI

Começo por pedir desculpa por voltar ao contacto com o leitor amigo. De facto no último jornal na rubrica contradições, despedia-me destas páginas. Muitos me fizeram chegar ressonâncias e alguns disseram-me que a minha despedida era precipitada. Houve mesmo quem confundisse uma despedida das páginas do jornal como se estivesse a ser uma despedida à vida. È isso que me dá coragem para voltar e faço-o de novo através de alguém que digitaliza este texto. Quanto às páginas do jornal, tenciono voltar, se houver disposição, assunto que me pareça de interesse e as mãos amigas de alguém que me queira ajudar. Quanto à despedida da vida quero apenas dizer-vos, como já disse, que entrego nas mãos de Deus e que não estou absolutamente preso a coisa alguma. Talvez por isso queira partilhar hoje convosco um texto de José Tolentino Mendonça que alguém me fez chegar e que traduz muito do que sinto:        

“A despedida talvez seja a parte mais difícil da esperança. Não se pode dizer muita coisa. Acho que aprendemos devagar, por vezes com muito custo, por vezes mais serenamente, e ambas as coisas estão certas. Parece que há uma tradição russa que diz que antes de partir, ficávamos junto uns dos outros, por uns instantes, em puro silêncio. E depois despedíamo-nos de um modo leve, quase alegre, como se não nos fôssemos realmente ausentar. Aqueles instantes de silêncio, porém, tinham atado os nossos corações com uma força que raras palavras teriam. Quando nas despedidas da vida nos parece que ficou, inevitavelmente, alguma coisa ou quase tudo por dizer, é bom pensar naquilo que o silêncio disse, ao longo do tempo, de coração a coração. Talvez o que de mais significativo somos capazes de partilhar não encontra no mundo linguagem melhor do que o silêncio.

Mesmo quando achamos que não nos despedimos, a verdade é que no fundo despedimo-nos muitas vezes. E isso é maravilhoso. A vida deu-nos isso. Termo-nos visto uns aos outros partir e regressar, dizer adeus e olá com a certeza de que nada se interrompe, voltar a ouvir mil vezes a voz dos que amamos, prolongando assim o extraordinário, o interminável encontro.

Precisamos também do socorro de outras palavras, e elas chegam se as quisermos ouvir. Vêm em nosso socorro essas palavras maiores, que não são para compreender talvez, mas que nos seguram enquanto certas despedidas (sobretudo as mais dolorosas) desprendem o seu vazio lentíssimo. (..)

Acredito muito naquilo que Raul Brandão deixou escrito: «Nós não vemos a vida – vemos um instante da vida. Atrás de nós a vida é infinita, adiante de nós a vida é infinita. A primavera está aqui, mas atrás deste ramo em flor houve camadas de primaveras de oiro, imensas primaveras extasiadas, e flores desmedidas por trás desta flor minúscula. O tempo não existe. O que eu chamo a vida é um elo, e o que aí vem um tropel, um sonho desmedido que há-de realizar-se. E nenhum grito é inútil, para que o sonho vivo ande pelo seu pé».

Porventura o mais fecundo não está na pergunta: «porque é que eles partiram?», mas nessa outra que levaremos a vida a responder, e sempre em total gratidão: «porque é que eles vieram?».”

José Tolentino Mendonça

In Diário de Notícias da Madeira

02.10.11

Também para mim foi um lenitivo ouvir ler quem expressa de forma tão expressiva e bela aquilo que me vai na alma. Não podia deixar de partilhar.

  6/10/2011- P. Armando Tavares (alves.armandotavares@gmail.com