Do fundo da terra

04-12-2013 17:28

Hoje dirijo-me a ti, jovem que resides em Proença-a-Nova ou aqui tens as tuas raízes. Continuo a sentir-me jovem, tal e qual como tu, mas quando alguém da tua idade me chama “dona” ou “senhora” percebo que estou a ficar um pouco cota. Talvez por isso comece a fazer algo que os cotas, ao que parece, adoram: dar palpites e conselhos.

Cresci sem biblioteca municipal, campos de ténis, piscina, Centro Ciência Viva da Floresta ou cinema. A Figueira não tinha ainda sido valorizada como aldeia do xisto, as praias fluviais davam os primeiros passos, não havia parque urbano nem esplanadas na rua principal. O concelho não tinha museus, não havia oferta de modalidades como zumba, power jump ou caminhada, não podia aprender ballet ou hip hop e para ter aulas de música os meus pais fizeram viagens regulares Proença-Castelo Branco durante 11 anos a fio, para poder frequentar o Conservatório.

Se faço esta viagem ao passado, é por uma razão simples. Custa-me quando ouço dizer que por cá não há nada para fazer. Atrevo-me a lançar o desafio: já experimentaste juntar um grupo de amigos, num domingo à tarde, e conhecer a excelente colecção de pintura e cerâmica do Espaço Ribeiro Farinha? Sabes onde fica o Forte das Batarias, recentemente escavado, e já experimentaste a magnífica vista sobre a estrada noutros tempos calcorreada pelos soldados invasores conduzidos pelo general Junot?

Mesmo que não gostes de emoções fortes e as paredes de escalada não te atraiam, as Portas de Almourão oferecem perspectivas de cortar a respiração, num ambiente de tranquilidade em que os grifos te fazem companhia. E muitos dos recantos mais bonitos do concelho descobrem-se nos passeios pedestres marcados, que podes fazer com os amigos. Pode parecer-te desinteressante, mas asseguro-te que já saí de casa sem grande pachorra e dei por mim a sorrir, a meio de um passeio pedestre, tocada pela sensação de grandeza que a natureza nos proporciona. Acredita, não conhecerás o concelho enquanto não te puseres à descoberta por caminhos de terra batida, levadas e trilhos de BTT.

Há, depois, sítios menos evidentes capazes igualmente de te deixarem surpreendido. Acredito que conheças a Figueira e o seu forno comunitário, o núcleo de xisto dos Cunqueiros ou as casas de pedra das Oliveiras. Mas já experimentaste um passeio pelas ruas desertas da Pedreira? Experimenta parar no meio da ponte, com a ribeira e os muros do moinho a teus pés. A água a correr conta histórias saídas do fundo da terra, a sério que sim.

É provável que cresças ansioso por sair e conhecer mundo. Aliás, desejo-te que possas sair, aprender coisas, abrir o mais possível horizontes. Mas aconteça o que acontecer, sei que haverá sempre um momento, algures no futuro, em que terás saudades desta terra. Não porque seja melhor que outras – temos de dizer a verdade e admitir que as há bem melhores. Mas esta tem o sabor que só uma casa consegue ter. E será maior, melhor e com mais coisas para fazer no futuro se aprendermos a conhecê-la e a valorizá-la no que tem de único e genuíno.

M. I. C.