É à noite

16-07-2014 18:44

Desde sempre, a noite foi um motivo de inspiração para poetas, pintores, cineastas e outros artistas. Não é novidade que “o lado lunar” de que fala Rui Veloso traz consigo uma atmosfera diferente do ambiente diurno. Agora, o que eu não entendo é o que se passa com os meus filhos logo que o sol se começa a pôr e que, se nós os deixássemos, se prolongaria até finalmente caírem para o lado.
Durante o dia, correm, jogam à bola, assistem a desenhos animados, ajudam a pôr a mesa, mas tudo é sempre algo conturbado. De cinco em cinco minutos, alguém ralha, alguém aparece a chorar, alguém se queixa de alguém. Todos os motivos, mesmo os mais pequeninos e impercetíveis, são causa para uma estrondosa choradeira, um prolongado queixume e até para um corte de relações durante alguns minutos.
Ao longo do dia, às vezes, parece que nunca se vão entender, que não falam a mesma língua e que não conseguem brincar juntos a nada, mais de dois minutos. E é assim durante todo o dia, a não ser que durante a tarde vejamos um filme bestial com umas belas pipocas ou que os enfiemos na piscina (contudo, neste caso, corremos mais riscos, porque há sempre um que molha o outro sem que este o deseje).
À medida que nos aproximamos do jantar, aumenta a cumplicidade e depois do jantar é o despertar! Depois de jantar, os meus filhos descobrem a magia da brincadeira juntos, o encanto de ter muitos irmãos e brincam por tudo e por nada. Conseguem estar mais de meia hora a correrem uns atrás dos outros sem parar e sem discutirem, em tremenda galhofa. E mesmo quando, fruto de alguma pequena irregularidade do pavimento ou de algum pequeno empurrão, algum cai, levanta-se logo a seguir com cara alegre, mesmo que no joelho escorra um pouco de sangue. (Algo impossível de acontecer durante o dia. Era logo motivo para pronto-socorro junto da enfermeira mãe, com muito choro à mistura!)
A animação depois de jantar é demais. Ontem, tivemos música, cantoria e dança e parecia que os tínhamos ligado à corrente elétrica. Brincavam e saltavam uns com os outros, abraçavam-se e riam-se como se não houvesse amanhã. No dia anterior, ou melhor, na noite anterior, estivemos a brincar aos espanhóis…falávamos espanhol (portunhol) e os miúdos corriam à volta da cadeira do mais pequeno dizendo “Buenas noches, chico!” Isso é que foi galhofa! O pequenito, com os seus dois dentinhos recém-chegados, ria-se, ria-se e mexia a cabeça de um lado para o outro à procura dos irmãos que não se cansavam de correr.
Tudo isto acontece depois de jantar, quando a luz do dia já escasseia muito, quando tanto o pai como a mãe já não podem com um gato pelo rabo, a criançada ainda está na maior. O que vale é que a risada é tão grande, ficamos tão contaminados que, por momentos, não há cansaço que nos valha e só queremos rir e gozar aqueles momentos à grande.
E mesmo quando finalmente os conseguimos aninhar na cama e dizer-lhes até amanhã, logo que a porta se fecha, surgem mil e um assuntos que faltam ser falados e que na escuridão do quarto são o desencadear de mais galhofa. Se os formos ver depois de adormecer, o cenário é inacreditável. As camas todas reviradas, a dormirem na diagonal ou mesmo de pernas para o ar, porque adormeceram no meio de grandes brincadeiras.

 Rita Gonçalves
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas variante Português e Francês
Pós-graduação em Ramo de Formação Educacional
Mãe a tempo inteiro (forçada e por vontade própria ao mesmo tempo)