Em Moçambique há 50 anos

14-05-2014 19:20

O padre Artur Marques, natural da Caranguejeira, Leiria, é padre há 51 anos e missionário da Consolata, há 50 anos em Moçambique. Veio até Proença ajudar-nos a reflectir sobre a Semana Santa que acabamos de viver. O que o nosso povo tradicionalmente chama de padre pregador.
Aproveitámos a sua vinda e conversámos sobre estes 51 anos de sacerdócio passados em Moçambique, numa realidade um pouco diferente da nossa.
A sua ida para padre deve-se em parte ao facto de ter nascido no seio de uma família religiosa (nove irmãos, tendo ainda mãe viva com 104 anos) e por isso o contacto com o sacerdócio fez parte da sua infância. Aos 11 anos foi para o seminário, à semelhança do que era habitual naquele tempo e, como ele próprio diz, sem saber muito bem ao que ia.
Mas por lá ficou e acabou mesmo por seguir o sacerdócio. Depois de um ano por cá, partiu para Moçambique, percorrendo um pouco todo o país. Chegou 10 anos antes da guerra, e passou por lá todo o tempo da guerra. Contou um pouco desses tempos e como o próprio diz foram tempos muito difíceis. “A dada altura pensei mesmo em fechar o seminário, pois não tínhamos comida, nem onde ir buscar”. Mas depois de conversar com o Sr. Bispo acabaram por encontrar uma solução, até porque fechar o seminário era “algo que não podia acontecer”, disse-lhe o Sr. Bispo. Depois da guerra colonial, veio a guerra civil que, segundo o padre Artur, foi o que mais destruiu. Com a paz, as coisas mudaram e o país iniciou o seu desenvolvimento que tem vindo a acontecer até hoje, uma nação que tem vindo a levantar-se.
A Igreja sofreu também com a guerra. Inicialmente eram portugueses, toda a hierarquia era portuguesa. Depois o percurso de constituir uma hierarquia Moçambicana não foi tarefa fácil. Neste momento temos 300 ou 400 missionários, sacerdotes, “o número de vocações tem aumentado muito e penso que hoje a escolha é mais fácil, porque com mais sacerdotes é mais fácil escolher um Bispo”, disse. Relativamente à Igreja Portuguesa e Moçambicana, o Padre Artur destacou o facto de a língua oficial ser o português, o que facilita pois os livros litúrgicos vão de Portugal e são iguais o que ajuda muito. Por isso as diferenças não são muito acentuadas. Nos textos litúrgicos acrescentam as suas particularidades resultado da sua cultura. Deu o exemplo do evangelho que em Moçambique é escutado sentado. O significado tem que ver com a cultura, quando alguém está a escutar conselho de outro senta-se.
Relativamente à crise de vocações, o Padre Artur referiu que também em Moçambique essa situação está a surgir. Agora os seminários estão a ficar vazios, “a cultura moderna também já lá entrou. A Internet trouxe mudanças significativas e mudou também os hábitos e maneiras de pensar do povo Moçambicano. Por isso, hoje a Igreja defronta-se também com a crise de vocações”.
À questão “o que significa para o padre Artur ser missionário”, respondeu: “Escolhi cedo que queria ser padre, mas como é normal, aos 11 anos, não estava muito esclarecido. Foram os missionários da Consolata que me foram buscar e eu fui. A minha vocação foi amadurecendo e por lá permaneci. Fui ordenado em 1963, fiquei dois anos em Portugal e depois fui para Moçambique e por lá fiquei”. Para o Padre Artur o maior desafio de ser padre hoje no nosso mundo passa por fazer uma escolha, como todo o jovem tem que fazer. “A vocação de padre é uma escolha radical e total e é disso que os jovens hoje, parece-me a mim, têm medo, medo de se comprometer. É uma caminhada solitária e por toda a vida. Isto é igual em todo o lado e em Moçambique também”. Relativamente à vida de padre salientou a exposição a que a vida do padre está sujeita, “todos sabem os passos que ele dá, por isso o padre está como que numa vitrina, toda a gente olha, vê o que faz e não faz, o que está certo ou errado e é difícil estar assim exposto aos olhos da multidão. Por isso quem não tem um chamamento bem definido, se o jovem não vê clara a vocação, o chamamento, e se não tem uma certa intimidade e familiaridade com Deus, não é fácil comprometer-se”.
O maior desafio para a Igreja hoje no entender do padre Artur, “é aceitar o compromisso cristão, porque a minha vida não é mais difícil do que a de qualquer casal, eu tenho os mesmos compromissos com Cristo e com a Igreja que qualquer casal tem com a esposa ou com o marido, simplesmente eu se falhar sou uma pessoa pública, ao passo que o jovem que escolheu o matrimónio está no meio da “multidão” e por isso fica menos exposto”.
É assim o padre Artur, um homem simples, a quem a vida levou para terras de missão e onde vive a sua fé no encontro com povos de cultura e hábitos diferentes dos nossos mas com a mesma fé.

Conceição Cardoso