Festa da Santa Cruz

14-05-2014 19:16

Pedro da Fonseca, o Santo Lenho e a Misericórdia de Proença
Decorreu no passado dia 3 de Maio, a festa da Santa Cruz, em Proença-a-Nova. Associado a esta festa está também a já tradicional feira da Santa Cruz.
Às 11 horas teve lugar a Eucaristia, na capela da Misericórdia, seguida do beijar da Santa Cruz.
Depois, no Salão paroquial, o Prof. António Manuel Silva, docente de História na Escola Pedro da Fonseca, proferiu uma Palestra sobre o Padre doutor Pedro da Fonseca, o Santo Lenho e a Misericórdia de Proença.
A apresentação foi feita pelo Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Proença-a-Nova, Dr. José Pereira Bairrada, dizendo: “O Santo Lenho que Pedro da Fonseca nos entregou, esta tradição de honrar a Santa Cruz no dia 3 de Maio, estes bons costumes, que os nossos antepassados nos legaram, constituem um património imaterial de incalculável valor que temos a obrigação de preservar. Pelo seu significado, pelo seu simbolismo.
Na verdade, as relíquias e as imagens dos Santos realizam, neste diálogo fraterno e espiritual com os que já lá estão, o papel de sinais visíveis das pessoas que representam. Qual de nós é que não mantêm bem viva a memória sagrada dos seus pais e avós, guardando nos lugares mais perto do coração as suas fotografias e recordações?
Por isso, as relíquias são veneradas pelo Povo Cristão, não por elas mesmas, como meros objectos ou restos (reliquia, em latim) mas em razão das pessoas a que se referem. No caso do Santo Lenho, a relíquia faz-nos lembrar Jesus Cristo.
 E a vida de Jesus Cristo, a que nos desafia? Pois desafia-nos a praticar as Obras de Misericórdia. “Temos de ser uns para os outros”, como me recordava há dias uma Senhora, moradora no Lar, sempre atenta aos vizinhos do lado. Vem do início dos tempos a pergunta bíblica que o Senhor fez a Caim, no Éden: que fizeste?

A vida e a obra
 

O prof. António Manuel, começou por apresentar o Pedro da Fonseca, sacerdote jesuíta e doutor em Teologia, que nasceu em Proença a Nova em 1528, em local incerto, fruto do segundo casamento do fidalgo Pedro da Fonseca com Helena Dias. Filho de uma família ilustre, era um jovem fogoso e colérico (António FRANCO) e aos 20 anos ingressa na Companhia de Jesus, em Coimbra. Faz os estudos normais de um jesuíta, embora com maior brilhantismo e rapidez que o comum dos alunos, e alcança a fama relativamente cedo. Aos 36 anos deixa de dar aulas, para se dedicar a outras tarefas dentro da Companhia de Jesus.
Foi afamado professor de Filosofia e de Teologia e tão reconhecido que mereceu dos contemporâneos o epíteto de “Aristóteles Lusitano” e que ofereceu à Santa Casa da Misericórdia de Proença a Nova uma relíquia sagrada que lhe havia sido oferecida pelo papa Gregório XIII, sendo constituída por um pedaço de madeira da cruz onde Cristo teria sido crucificado. Todos temos a ideia que foi um personagem importante e por isso lhe foi dedicada uma estátua colocada na Praça mais nobre da vila de Proença e que tem precisamente o seu nome: Praça Pedro da Fonseca.
Relativamente à sua vida e obra, e como disse o professor, “É fácil falar de Pedro da Fonseca, tanta é a informação publicada ao longo do tempo. Encontrei cerca de 300 referências bibliográficas”, mas é muito difícil abordar a sua obra filosófica e teológica expressa nos quatro títulos que publicou”.

 

´Traços de carácter

 

Foi um intelectual, um pensador, e foi um homem de religião com enorme dimensão social e política. “uma personalidade multifacetada e desenvolveu as suas actividades em diversos campos, qual génio renascentista. Foi professor e padre jesuíta. Nas Universidades de Coimbra e Évora ensinou Filosofia e Teologia. Foi Grande entre os grandes dos jesuítas. Foi amigo de papas e cardeais. Privou com Filipe II de Espanha, I de Portugal, do qual foi conselheiro. Mas, acima de tudo, foi sincero amigo dos pobres e desprotegidos da sorte e da sociedade. Foi, como agora se diz, solidário”, disse o professor.
Na sua vida esteve também presente a dimensão de escritor. “Escreveu apenas quatro títulos, embora se pense que poderia ter escrito um quinto. Não foi extensa a sua obra, mas foi tão relevante que nos 50 anos posteriores à sua morte, foi editada 53 vezes na Europa. Só na Biblioteca de S. Petersburgo existem 15 edições diferentes. Aos trinta anos de idade já era conhecido em toda a Europa, especialmente em Roma, por “Aristóteles Português”, referiu.
No que diz respeito ao seu caráter e na ausência de um retrato físico, o professor António Manuel referiu algumas citações que encontrou, como por exemplo: “ … Homem cheio de letras, virtudes e obras excelentes…”; “Concorreram neste Padre grandíssimos talentos, letras, virtude, prudência, destreza nos negócios, em tudo era homem cabal e, como dizemos, de mão cheia”; “Nas dificuldades manifestava um ânimo quieto e um alegre rosto.”.

 

A morte
 

No final da sua vida, quando adoeceu, aos 22 dias de Outubro de 1599 e, dizem os coevos, “ nas grandes dores que padecia, nunca lhe viram sentimento nem sinal de impaciência”. Encarou o fim com uma dignidade enorme como atestam as citações: “Esta nova – proximidade da morte – recebeu o Padre com muita paz, mostrando aquela grandeza de ânimo, que sempre teve em sua vida e segurança de consciência.”

 

Pedro da Fonseca e a capela da misericórdia

 

A capela hoje denominada da misericórdia começou por ser um pequeno templo em honra de Nossa Senhora da Piedade, sendo depois transformada na actual capela da Misericórdia num terreno oferecido por Pedro da Fonseca.
Estávamos no ano de 1556, a 20 de Maio, quando o Prior do Crato, D. António, escreveu uma carta/alvará onde dizia: “…faço saber a quantos este meu alvará virem que hei por bem e me praz, para serviço de Nosso Senhor,dar lugar e licença ao provedor e irmãos da confraria da Santa Casa da Misericórdia da vila de Proença a Nova para fazerem uma Igreja ou Capela para a dita confraria em lugar conveniente e ordenar levantar altar no qual se celebrem os ofícios divinos com aquele acatamento e veneração que devem ter”.
 

Doação do Santo Lenho

Quando esteve em Roma, PEDRO DA FONSECA, foi conselheiro do Papa Gregório XIII, que pela consideração que tinha por ele e sabendo do seu regresso a Portugal, lhe doou uma relíquia que supostamente seria um pedaço de madeira da cruz em que Jesus Cristo havia sido crucificado.
Chegado a Portugal, Pedro da Fonseca faz a doação daquelas relíquias à Santa Casa da Misericórdia de Proença a Nova em carta que se encontra nos arquivos da Santa Casa da Misericórdia de Proença a Nova. Data de 29 de Abril de 1588, parece escrita pelo punho do próprio Fonseca numa caligrafia razoavelmente legível e vem assinada pelo próprio.
 

Devoção Popular ao “Santo Lenho”

Também neste campo, salientou as muitas situações em que o povo, nas suas amarguras e falta de soluções materiais para os seus problemas recorreu ao sobrenatural e invocou a protecção do Santo Lenho.
Os actos litúrgicos variavam: umas vezes tiravam o Santo Lenho em procissão, outras expunham-na com cerimónia e, outras, ainda promoviam pregações e preces na Igreja. As despesas, quando as havia, eram suportadas pela Câmara Municipal. Em certa altura, houve a noção que não poderiam abusar da repetição das cerimónias e criou-se o hábito de realizar apenas três exposições do Santo Lenho: pelo Natal; no dia de Santa Cruz (3 de Maio) e a 2 de Julho, data da eleição dos oficiais. A 3 de Maio de 1622, decidiu-se que se fizesse apenas uma exposição por ano a 14 de Setembro, dia da exaltação da Santa Cruz e que os padres celebrassem as cerimónias gratuitamente para canalizar os poucos recursos da Misericórdia para os mais desfavorecidos.
Há registo de cerimónias de culto como por exemplo a 30 de Junho de 1602, o povo invocou a Relíquia para que levantasse o tempo e deixasse de chover, o mesmo acontecendo no ano seguinte; ou a 29 de Março de 1609, tiraram o Santo Lenho em procissão para invocar as boas graças divinas. Então o problema era da seca.
Curiosamente, também há muitas cerimónias de acção de graças por benefícios alcançados, o que vinha acentuar a crença popular.
Terminou a sua palestra dizendo: “acreditemos, ou não, na autenticidade das relíquias e no poder miraculoso do Santo Lenho, a verdade é que ela faz parte da história e da cultura de Proença e temos o dever de manter a tradição e de a transmitirmos aos que a seguir a nós vierem”.
C.C.