Mega, mega contente!

30-01-2012 18:30

Palavra que fiquei deveras contente, direi mesmo, mega contente, quando descobri que ainda tenho capacidade para me surpreender com algumas atitudes, o mais possivelmente imprevistas, em qualquer horizonte de lucidez humana.

Depois de alguns anos de vida, em tempos de ditadura, primavera marcelista e 25 de Abril, com muitas alternâncias, barbaridades e outras infelicidades afins, eu julgava que já nada na minha vida e no mundo me podiam surpreender.

Passei um Maio de 68, verdade seja dita, mais no Louvre, no Jeu de Paume ou no Pere Lachaise, do que naquelas “coisas de rua”que eram muita agitação para a minha pobre cabeça. Os comícios e as manifestações apanhavam-me sempre numa esplanada bem longe do acontecimento, de preferência com boa paisagem e um livro de poesia entre as mãos. Manias, defeitos ou qualidades, depende da forma como forem vistas, mas a opção era minha.

Ditaduras, democracias, viragens à esquerda ou à direita, nunca impediram a minha vida de seguir em frente, guiada pelo objectivo que me propus e pelo destino existencial que elegi para o meu próprio eu.

Aqui confesso que concordo com Sartre: estava condenada à liberdade e escolhendo, escolhi-me, tal como decidi ser e ficar a ser, na essência da minha mortal e inevitável existência. Nem ventos, nem marés me arrastaram, o meu GPS funcionava tal qual eu queria, pois era regulado por mim e para mim.

Fui sempre vendo, ouvindo e lendo, concordando ou combatendo consoante a minha bitola de valores, essa bússola que me foi dada no leite materno, considerando que na época não havia cerélac nem outras papinhas de bebé.

Ora assim, estava eu pacificamente instalada na vida, quando sou abanada por um abalo telúrico maior do que a própria crise, ou talvez, consequência dela - os nossos grupos par(a)lamentares estavam em excitada discussão sobre um tema de fundo, muito amplo, pertinente, adequado e necessário: Barrigas de aluguer!

Barriga de aluguer é a expressão de um processo de reprodução artificial em que uma mulher cede o seu útero, para que nele seja implantado um óvulo já fecundado, comprometendo-se a gerar uma criança e a entregá-la no final da gestação, à dadora do óvulo ou a uma terceira pessoa que lhe encomenda tal gestação.

Fiquei perplexa, será que vai haver senhoras com um A desenhado na barriga? Será que vão ter um local próprio para estacionar, tal como os carros de aluguer?

Qual será a empresa que vai gerir estes casos, pois, independentemente de haver ou não dinheiro envolvido neste processo, o certo é que se trata de um contrato com direitos e encargos para ambas as partes. Por isso estamos perante um verdadeiro negócio, cujo objecto é uma criança.

Barrigas de aluguer foi uma moda que caiu em desuso em alguns países, nomeadamente, no Estado Unidos da América, consequência dos vastos e complexos casos judiciais trazidos a público, onde mães (de aluguer) na hora do parto dizem – este filho é meu – e não o entrego…; casais que confiantes em contratos muito bem elaborados por advogados, pagos a peso de ouro, se vêem chantageados no final, para que lhes seja entregue aquela criança em quem tanta esperança depositaram, para não referir as consequências emocionais, psíquicas e afectivas, enfim um rol de instabilidade sem fim à vista.

Nas Américas dos filmes sabemos que tudo é possível, mas aqui neste cantinho do céu à beira mar plantado, teve um impacto sísmico deveras abalador e revelador de que algo de preocupante se está a passar…

Direitos e Dignidade da Mulher, sentido de Maternidade, Afecto, Amor, Estabilidade Emocional, Lar, Família serão vocábulos que já não fazem parte do novo acordo ortográfico?

Esta será mais uma das leis da “Ideologia de Género” que pretende desvincular a mulher da maternidade, porque só assim esta será mais livre e igual, pois não respeitando a natureza humana cada vez mais o homem fica liberto de amarras e escravo de si próprio, das ideologias e em última instância do poder cientifico, económico e político?

Aristóteles (filósofo grego do século IV aC), definiu o homem como um ser racional, espiritual e social. Mas, com a evolução dos tempos, de perversão em perversão, vão-se legalizando todo o tipo de aberração ou degeneração jamais sonhadas ou pensadas.

Regressão da espécie? Talvez, pois seguindo o raciocínio de nosso estagirista, se não se desenvolvem as qualidades racionais e espirituais no sentido da excelência humana, o homem bestializa-se, degrada-se e aniquila-se.

Para além do meu jovial contentamento em me surpreender, recordei ainda uma frase de André Malraux, escritor e filósofo francês (1901 – 1976) que a minha memória há muito retinha e da qual nunca se alheou:

“Se não encontrar um valor supremo dentro de cinquenta anos, a nossa civilização que se acredita ser uma civilização da ciência, tornar-se-á uma das mais submissas aos instintos e aos sonhos elementares que o mundo já conheceu, por lhe faltar uma espécie de alimento espiritual que tenha domínio sobre o poder científico do homem moderno. Está claro, agora, que a ciência é incapaz de ordenar a vida. Uma vida é ordenada por valores”.

Moral da história: não há nada como uma mega patetice para nos abanar, acordar da tranquilidade apática com que sonhamos viver e recordar que houve um passado, há um presente e haverá um futuro sempre a construir e nunca a promiscuir.

Maria Susana Mexia