Palavras que voam

19-11-2014 17:21

Recentemente fui abordada por uma leitora residente em Paris. Ouvi elogios embrulhados em sorrisos e fiquei a pensar o quanto as palavras podem chegar longe, sem o sabermos. O quanto o nosso trabalho por vezes dá frutos com que nem sonhamos. E o quanto somos por vezes abraçados de forma inesperada pela vida, precisamente quando estamos a precisar de um impulso.
Acontece as nossas palavras iluminarem outros mesmo quando não conseguimos acreditar nelas. Precisamente em períodos de descrença, é preciso continuar a fazer caminho. Os frutos do que semeamos demoram mais do que a nossa vontade entende. Tudo na vida exige tempo, persistência e uma confiança inabalável de que acima das nossas dúvidas, as respostas para todos os mistérios mais cedo ou mais tarde acabam por chegar.
Gostávamos de andar pela vida sem hesitações, seguros do caminho a seguir. Mas a estrada está cheia de cruzamentos, atalhos e bifurcações que por vezes nos baralham. As palavras de outros são em tantos momentos inspiradoras e capazes de nos orientar na caminhada, mas só de dentro de nós podem vir as decisões necessárias para continuarmos a dar passos.
A sabedoria chega devagar. Aproxima-se de nós de mansinho, sem darmos conta. Mas um dia, inesperadamente, damos por ela nas pequenas coisas. Nas palavras amargas que conseguimos calar a tempo. Nas reacções mais tranquilas. Nos medos, até nos medos – porque sabemos que sem escuridão não conseguiríamos lutar tanto para procurar a luz. Nunca deixamos de cair, mas a certa altura olhamos com mais cuidado para os obstáculos. E percebemos, por mais que nos custe encará-lo, que nunca o percurso se torna fácil.
Crescemos todos os dias. Aperfeiçoamo-nos todos os dias. Falhamos todos os dias. E é exactamente por isso, porque a vida é uma tarefa sempre inacabada, que não podemos perder a fé no que semeamos – mesmo que a semente sejam simples palavras. Ninguém sabe o alcance que podem ter palavras que voam.

M. I. C.