Pontos de Vista - Os excessos dos media

16-08-2011 11:04

 O escândalo das escutas ilegais que levou ao encerramento do tablóide britânico News of The World não pode deixar de merecer reflexão. Desde logo porque demonstra o que tecnicamente se sabe que é simples nos dias que correm: basta querer para escutar conversas alheias. Uma simples pesquisa no Google faz surgir uma lista de aparelhos de baixo custo, usados por detectives ou por simples curiosos, que permitem com facilidade interferir numa chamada telefónica. Em Portugal têm surgido constantes casos e suspeitas de escutas abusivas, tanto no seio das polícias e serviços de segurança como por vias “amadoras”, e o problema tenderá a densificar-se à medida que as tecnologias disponíveis se multiplicam.

A par da questão tecnológica, surge o problema legal e deontológico. Quando a direcção de um jornal considera legítimo escutar personalidades políticas, familiares de vítimas de atentados e até interferir em investigações policiais, apagando mensagens de telefone de pessoas desaparecidas, estão eliminadas todas as fronteiras que deveriam orientar o trabalho dos profissionais dos media.

Nos comentários que se seguiram ao escândalo, li colunistas argumentando que se o caso se tivesse passado com um jornal português, provavelmente os outros se calariam, numa atitude corporativa. Duvido. Nas redacções todos os dias há atropelos ao código deontológico – e basta ver os telejornais ou abrir os jornais para o perceber – mas o exagero ou a dramatização dos problemas nunca me pareceu o melhor caminho. 

Claro que haverá, certamente, quem argumente que se em Portugal não se utilizam estes esquemas é apenas porque não há capacidade económica para o fazer. Os grupos de media vivem tempos difíceis e não pagam, por baixo da mesa, as quantias de que se ouve falar lá fora. Talvez. Ainda assim, acredito que a conhecer-se um escândalo desta natureza, haveria uma reacção violenta da classe. A pressão por notícias bombásticas, a exigência económica de vender notícias, faz muitos profissionais esquecerem princípios, mas ainda há muitos jornalistas atentos e que nas redacções mantêm um debate interno imprescindível para que o bom senso (pelo menos esse) não se perca.

As redacções sempre foram espaços de liberdade. Hoje a pressão económica e a precariedade do emprego ameaçam essa liberdade, mas não será saudável pintar o quadro mais negro do que ele é. Continua a discutir-se a utilização abusiva de imagens chocantes, a identificação de menores, a utilização de informações sujeitas a segredo de justiça ou a utilização excessiva de fontes anónimas. E enquanto houver debate interno, há abusos evitados ou travados a tempo. O que se espera é que esse debate nunca se perca.

M.I.C.