Pontos de Vista

17-10-2011 18:25

De pequenino…

 

Ao longo da vida, já perdi a conta à quantidade de vezes que ouvi os argumentos de pais que abdicaram de ter mais filhos por razões económicas. Há mesmo aquela frase clássica: “Quero poder dar-lhe o que nunca tive e que nunca tenha de passar os sacrifícios que enfrentei.” Em tempo de crise económica, voltei a ouvir este argumento com insistência e até amigos que vivem com rendimentos muito acima da média me confessaram recentemente sentir, face ao contexto internacional, “algum arrependimento” por terem tido filhos, já que os sujeitam a enfrentar dificuldades até há pouco impensáveis.

Percebo o argumento, claro: se me perguntassem o que quero para os meus filhos, diria que quero o melhor. Não tenho dúvidas de que eles vivem com mais do que eu tinha na idade deles, mas não há certeza de que assim venha a acontecer no futuro. Até há poucos anos acreditámos numa espécie de milagre de constante crescimento da economia e criou-se a ideia falaciosa de que o futuro seria sempre um aperfeiçoamento do presente. Sentir que o mundo inverteu o sentido e começou a recuar assusta, claro.

Por mais que queiramos poupar os filhos do bicho papão da crise, não acho que pintar-lhes um mundo cor-de-rosa seja a melhor solução. Nem acho que facilitar-lhes a vida seja o melhor que podemos fazer por eles – muitas vezes ensinar-lhes o quanto é difícil conquistar algo pode ser o caminho mais valioso para o futuro. Ao longo da vida vão descobrir que não têm (a todos os níveis) tudo aquilo com que sonham. Por que não começarem a percebê-lo desde miúdos?

A Sara descobriu este Verão que nem todas as pessoas podem ter férias. “E ficam sempre em casa, mãe?”, perguntou-me com ar espantado. Com o tempo espero que ela se aperceba, sem dramatismos nem discursos moralistas, da multiplicidade de tons do mundo que a rodeia. Estes dias dei-me conta que lhe tenho transmitido mais a noção de poupança do que eu própria pensava. No fim-de-semana agarrou uma folha de papel onde escreveu um “texto inventado por Sara”. O tema? “Como se pode poupar.” Deixo a sapiência de uma miúda de 7 anos:

“Para se poder poupar não se pode comprar tudo o que queremos. Só se compra o que é mesmo necessário, como roupa, comida, loiça e escolas para os filhos. Só isso.” Às vezes não chega, mas para começo de conversa não me parece mal.

M. I. C.