Uma Perplexidade…

19-11-2014 17:23

Se a memória não me atraiçoa, em tempos, aprendi que o pensamento e a linguagem são indissociáveis, sendo esta a grande responsável pela estrutura e ordenação do nosso saber, saber pensar e conhecer.
Quer dizer, as palavras que usamos “arrumam” a nossa cabeça, facultam a capacidade de saber o que se sabe e o que se pode vir ainda a saber. Todos sentimos que temos de pensar antes de falar, antes de escrever, para que o discurso não saia atabalhoado, sem nexo, mas ordenado e seja portador do objectivo a que nos propomos: passar uma mensagem, um juízo, ao nosso interlocutor, de forma ordenada e clara para que ele a perceba e argumente.
Todavia, ano após ano, o vocabulário tem vindo a ser encurtado, nomeadamente o dos jovens, que é deveras redutor ou revelador duma ausência de saber, da capacidade de compreender com amplitude e ser um receptor e transmissor de ideias várias e variadas, elemento básico e fundamental que contribui para o nosso desenvolvimento cognitivo e intelectual.
Sem qualquer originalidade linguística, papagueiam as mesmas palavras repetidas até à exaustão, ausentes de significado inteligível, num círculo verdadeiramente fechado, oco e vazio de conteúdos.
É certo que algumas já fazem parte do dicionário embora, talvez, não merecessem lá estar. Outras são captadas nos corredores das escolas, nos maus programas televisivos, no léxico do futebol ou outras entidades afins.
Não me estou só a referir a garotos adolescentes, sempre necessitados de chamar a atenção, ser do contra, etc., mas a adultos acima dos 30 anos cujo comportamento e vocabulário são verdadeiramente alarmantes senão uma perfeita calamidade.
Em qualquer esplanada temos de os ouvir alto e bom som, também não lhes ensinaram a falar baixo em público, as maiores imbecilidades que eu, na minha ingenuidade, nunca admiti poderem, eventualmente, vir a existir, intervaladas com baforadas de fumo - ão tenho nada contra os fumadores, embora não pratique a modalidade - em que o teor da pseudo-conversa é de uma pequenez e duma superficialidade assustadoras, para não falar na ausência de educação e de dignidade que o mesmo revela.
Resumindo, qualquer cidadão que, numa tarde, tenha o azar de cair num destes locais, nomeadamente situados junto de alguns empregos, empresas e similares, está condenado a ter de ouvir baboseiras sem fim, embora ingloriamente, procure mergulhar a sua atenção num jornal, num livro ou então, entre em desespero e, como não pode exterminá-los, nem mandar afixar aquela célebre frase:” Reservado o direito de admissão”, opta por escrever um artigo, o que foi o meu caso.
Note-se que não estava numa Faculdade, tão pouco numa Escola Secundária, mas no meio de quadros superiores, vestindo “fatos de marca”, gravatas condizentes, mas com gestos e vocabulário verdadeiramente devassos, em qualidade e em quantidade…
Foi então que me ocorreu esta perplexidade: será que há uns 20 anos atrás ninguém os ensinou a falar? Será que escrevem assim? Onde estarão os princípios elementares e básicos duma educada e inteligente conversa de sala ou em público? E na Escola e na Faculdade nunca os advertiram de que o brejeiro e o boçal modo de assim se dirigirem aos outros é miserável, denota pequenez social, moral, humana e intelectual? Pais, avós, tios, padrinhos, eu sei lá, tudo o que seja pessoa de outros tempos, bem mais educados e adequados, não houve nunca uma alma que os tivesse mandado calar?
Embrenhada nestes considerandos vim a pensar: Será que o pensamento ainda se estrutura numa linguagem correcta, fluida e reveladora de conteúdos? Se assim é, valha-me Camões…
Mas o mais curioso é que estes agora jovens pais, - (omito educadores e formadores, pois ninguém pode dar o que não tem) – andam super entusiasmados e querem, a todo o custo, que os seus rebentos aprendam a falar e escrever mandarim, para lhes assegurarem um futuro com mais qualidade, uma maior competência profissional e, naturalmente, um lugar mais elitista num mundo de qualidade… Eis a bizarra (des) proporção que tomou a (des) instrução e a (des) educação no nosso país…
Mas, como não sou pessimista, nem destrutiva, termino com uma maravilhosa frase de Ruy Belo ”O Portugal futuro é um país onde o pássaro puro ainda é possível”.
Maria Susana Mexia