“As vocações, dom do amor de Deus”

Decorreu de 22 a 29 de Abril, a 49ª Semana Nacional de Oração pelas Vocações, cujo tema deste ano é “Vocações: Dom do amor de Deus”.
Segundo o Santo Padre, “é importante que se criem, na Igreja, as condições favoráveis para poderem desabrochar muitos ‘sins’, respostas generosas ao amoroso chamamento de Deus”. Nesse sentido o nosso jornal leva até aos nossos leitores uma  vocação de Vida Consagrada que constitui um tesouro na Igreja e é uma força e serviço. Cada Vida Consagrada tem um carisma próprio. O nosso jornal apresenta o Convento de Santa Beatriz da Silva, pertencente à Ordem da Imaculada Conceição ou Concepcionistas.

 

 

No convento estão neste momento 11 professas de votos solenes ou perpétuos, 1 de votos temporários; 2 noviças e 4 postulantes.
(Postulante é a 1ª etapa que dura de um a dois anos, consoante os casos. Noviça a segunda etapa que dura 2 anos. Depois professa por três anos que podem ser prolongados e depois a ultima profissão para toda a vida.)
As idades vão dos 83 aos 19.
Fomos conversar com elas sobre diversos aspectos da sua vida, quer consagrada quer do dia-a-dia.
Antes de mais pedimos que nos falassem do como é o dia-a-dia do convento. E a Irmã Margarida Tavares Alves exclareceu-nos:

Irmã: O nosso dia a dia é mais ou menos sempre igual, salvo alguma excepção.
Começamos com o cântico das Laudes uma das Horas litúrgicas, ás 6H45; oração pessoal ou meditação em silêncio, Santa Missa. Às 9H00. pequeno almoço Segue-se um tempo de trabalho, durante o qual é feita uma leitura espiritual durante 15 minutos e reza-se o terço
Antes do almoço vamos de novo à capela para rezar a Hora de Sexta.
Depois do almoço há uns 40 minutos do que chamamos hora de recreio, em que podemos falar e se dão notícias ou se comentam acontecimentos etc.
Toca a silêncio para uma hora de mais recolhimento durante o qual, a gosto de cada uma, pode haver um pouco de descaso ou tarefas pessoais.
Às 15H00. rezamos a Hora de Noa com exposição do Santíssimo e voltamos para o trabalho, excepto as irmãs que naquele dia fazem a adoração.
Durante o trabalho da tarde, como pela manhã, reza-se outro terço e 15 minutos de leitura formativa. Às 17H30 tempo para formação pessoal ou comunitária. Às 18H30 voltamos à capela para rezar Vésperas, outra hora de meditação, e o terço.
Depois do jantar temos outra vez um tempo de recreação e antes de deitar vamos de novo rezar as últimas Horas canónicas, que terminam mais ou menos pelas 22H30.
É assim uma vida repartida entre a oração ( a maior parte do tempo) o trabalho, o estudo e as horas de lazer ou expansão que consideramos muito importantes não só para uma maior comunicação fraterna, senão também para o equilíbrio psíquico e harmónico de toda a pessoa. Por isso ninguém pode faltar ao recreio, sem motivo e sem licença, como a qualquer acto de comunidade.

Jornal “O Concelho de Proença-a-Nova” -  Como e quando surgiu a vocação para a vida religiosa?
Irmã: Como? Cada pessoa tem a sua história. Dizem que Deus chama de muitas maneiras.
O que eu quero sublinhar, porque muita gente está um pouco equivocada neste ponto, é que a vocação não é fruto duma revelação directa do Alto. Deus não nos vem dizer de maneira clara e segura que nos quer aqui ou ali. Pelo geral é como uma ideia que vai surgindo de vez em quando. Às vezes parece que sim, outras que não. Deus respeita-nos muito, não nos força, só de vez em quando nos vai dizendo, delicadamente, mas com amor infinito: Se tu fosses toda minha, se tu Me entregasses tua vida.. etc. Isto , que não passa da voz de Deus, vai-se tornando cada vez mais insistente. É bom sempre consultar com um sacerdote em confissão ou direcção espiritual, para que nos oriente da melhor maneira e sobre tudo, pedir muito e sinceramente ao Senhor e à Mãe do Céu que nos iluminem e ajudem a ser fiéis à sua vontade.
A vocação surge mais ou menos na adolescência ou juventude, com raras excepções. Nós as três tivemos a graça de a sentir cedo. A mais velha (Ir. Mª Deolinda) entrou aos 19. Ir. Inês aos 17 e eu Ir. Margarida aos 16.
Eu tinha perto dos sete anos quando a minha mãe me falou da vocação de missionária e fê-lo com tanto apreço que logo me senti atraída. Então não conhecia a vida contemplativa, mas quando dela fui informada e esclarecida nalguns pontos que não compreendia, logo optei por ela por achar que era uma missão mais universal e porque estando mais tempo com o Senhor poderia consolá-Lo.

C.P.N.- Quais as motivações para a opção pela Vida Consagrada?
 Irmã: As motivações são sempre as mesmas, embora com matizes diferentes: para já é preciso ter em conta que a vocação é sempre uma iniciativa de Deus: Como filhos de Deus que somos, o nosso maior anseio é fazer a sua vontade, procurá-Lo. A vida contemplativa é uma busca permanente de Deus e da sua vontade. Queremos ser TOTALMENTE DE DEUS a favor dos irmãos: para O consolar de tanto que é ofendido, para converter os pecadores; para ajudar os carenciados. etc etc.
É Preciso frisar que por detrás de cada vocação de total consagração a Deus tem que existir a força de um grande ideal; sem isso está condenada ao fracasso.

C.P.N. - Quais os aspectos que as deixam felizes e realizadas como Religiosas?
Irmã: Exactamente o que vai indicado na resposta anterior. Poderia ainda sublinhar que é o saber que Deus nos deu uma vocação onde podemos pôr a render ao máximo as nossas capacidades de doação, a possibilidade de dar muito fruto para a glória de Deus.
Saber que a nossa oração e sacrifício pode chegar a todos, até às situações mais escondidas, onde nunca poderíamos chegar de outra maneira. A oração não tem fronteiras!
É viver e saborear o que nos dizem nossas constituições que somos mães de todo o universo. È abraçar a maternidade mais fecunda que é a virgindade por amor de Deus e dos irmãos. Embora com perigo de ser demasiado longa cito o nº 116 das nossas constituições que me produz muita alegria: Vivendo com fidelidade a sua vocação, auxilie os homens a cumprir, sem desfalecimento, os deveres de seu próprio estado; liberta das preocupações térreas, mostre-lhes os bens celestiais presentes neste mundo (LG 44); feita súplica permanente, apresente ao Pai as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens (GS 1).

C.P.N. - O que mais agradece a Deus na sua caminhada?
Irmã: Agradeço-Lhe, cada dia com mais convicção e alegria, que se tenha fixado na minha pequenez para escolher-me para tão bela missão e que continue a conservar-me no seu serviço apesar das minhas infidelidades; agradeço a graça de viver em fraternidade com outras irmãs cujos exemplos me ajudam e estimulam. Etc.

C.P.N. - O que é que uma pessoa que abraça uma consagração é chamada a viver?
Irmã: A doação constante. O esquecer-se de si para pensar na salvação do mundo, nos inúmeros e grandes problemas de tanta gente. O perigo do egocentrismo sempre nos espreita, mas é o maior contra sentido numa religiosa de clausura. O importante é viver em espírito de oblatividade, unidas à Oblação de Cristo para glória do Pai.

C.P.N. - Será a clausura um meio para uma maior vivência de intimidade com Deus?
Irmã: Claro que sim! É precisamente por isso que renunciamos até à satisfação de fazer o bem de uma maneira mais palpável ou física a favor dos outros; é por isso que o silêncio é prescrito, fora as horas de recreio e do que é necessário dizer; é por isso e não por medo à vida lá fora, que nos encerramos: para que a mente e o coração estejam o mais possível em Deus amando e intercedendo “Feita súplica permanente a favor dos homens” como já indiquei. Uma nossa irmã expressou-se assim:
Vida em silêncio, ó que vida bela!
Escutando a Deus que nele Se revela.
Suas queixas ouvir e baixinho Lhe segredar:
Meu Deus, eu Te amo, para O consolar.
Ser contemplativa é ter coração imenso
Que arde só por Deus e pelo irmão.
É sentir-se MÃE de todo o universo
E a todos atingir com sua oração.
Mas é preciso dizer também que, embora a clausura seja uma ajuda para que o nosso coração esteja em Deus, ela não é imprescindível. Também no meio do mundo, nas tarefas de cada dia, se nos esforçamos, podemos voltar-nos para Deus muitas vezes: Basta um coração enamorado e estimulado por um grande ideal. Nisto é fundamental que cada um deve escutar bem o que Deus lhe pede e acertar com o seu próprio caminho.

 

 

 


C.P.N.- O Convento, pela sua característica de clausura, é relativamente pouco conhecido.  Fale-nos como é o carisma da Ordem?
Irmã: O carisma específico da Ordem da Imaculada Conceição ou Concepcionistas é o que pediu a própria Virgem Maria quando, aparecendo a Santa Beatriz, lhe pediu para fundar uma ordem para honrar a Sua Imaculada Conceição. Isto 300 anos antes da definição do dogma. É uma Ordem toda mariana. È por isso que as concepcionistas levamos no peito uma medalha para que “Lembrem as que professam esta santa religião que devem levar a Mãe de Deus entronizada no coração como imagem de vida” (São palavras de nossa santa regra, talvez as únicas que nos deixou Santa Beatriz) e Também: As concepcionistas obrigam-se a viver as atitudes de Maria etc.
Tudo isto vivido na alegria e vida fraterna.
De resto o seu carisma é o de toda a ordem contemplativa o qual julgo que fica mais ou menos expresso em tudo o que vai dito.

C.P.N. - Mesmo na clausura há uma busca por estar em sintonia com o mundo?
Irmã:  Nem poderia ser de outra maneira já que é precisamente para poder fazer mais pelo mundo que nos encerramos. Nós estamos informadas dos principais problemas do nosso tempo, da Igreja etc. Por um ou outro meio vão chegando as noticias embora os media e Internet sejam usadas com a pertinente moderação. Recebemos vários jornais e revistas e há sempre uma irmã que procura ouvir o noticiário.
Se nos desentendêssemos totalmente de tudo, teríamos o perigo de cair nisso de “olhos que não vêm, coração que não sente”; viria então a moleza, a esterilidade da vida…

C.P.N. - O que consideram como maiores desafios para a vivência da vossa Consagração e Missão hoje?
Irmã: Os maiores desafios são precisamente todas as carências do nosso mundo: A falta de fé e de vivência cristã e por isso mesmo, a tristeza, o desespero, a falta de motivações para a vida em que vivem muitas pessoas; o perigo de condenação eterna para tantas almas. Lembramos sempre as palavras da N. Senhora em Fátima: “Vão muitas almas para o inferno por não haver quem ore e se sacrifique por elas”. Tanto sofrimento: doenças, o desmoronamento da família, os que não têm meios para uma vida digna e um longo etc. Tudo isto repercute com um eco vibrante no coração de uma irmã de clausura, se é que quer ser coerente.

C.P.N.- Percebe-se que cada vez é menor o número de vocações femininas. O que é preciso fazer para despertar nos jovens o interesse pela vida consagrada? E como falar dessa vida consagrada?
Irmã: É necessário educar os jovens nos verdadeiros valores, nos ideais sublimes. E isto deve começar na família que, infelizmente, nos tempos de hoje nem sempre ajuda.
Elucidar sobre preconceitos e ideias pejorativas sobre a vida religiosa, como são o pensar por exemplo que foi um desengano amoroso ou uma falta de aptidão para outra coisa que nos levou a escolher este género de vida.
Seria bom que as jovens visitassem algumas vezes os nossos conventos e pudessem palpar um pouco da alegria profunda que sentimos. Pelo menos os encarregados de movimentos de jovens, deviam conhecer-nos melhor e saber falar-lhes e incentivar no sentido de um ideal que vais mais além; despertar o sentido de generosidade que Deus semeou no nosso coração e que só deseja ver crescer e desenvolver.
 

C.P.N. - Poderíamos afirmar que vocês, religiosas de clausura, são aquelas que mais rezam?  Há o perigo da oração se tornar uma actividade mecânica? Ou, ainda, de a oração se transformar em uma forma de trabalho, isto é, de produção orante?
Irmã: Confesso que esta pergunta me fez sorrir. Se somos as que mais rezamos eu não sei; pelo menos somos as que no nosso horário temos mais horas (umas 5 por dia) dedicadas só à oração. Mas acredito que há muita gente que até rezará mais: penso em tantos idosos com o terço na mão, em tantas almas fervorosas que sabem elevar o seu coração ao alto. Tantas mães a rezar por um filho doente ou fora de caminho, cuja oração será ainda mais constante e mais ardente que a nossa.
Porque, claro… temos o perigo de a tornar mecânica, sobre tudo se as necessidades do mundo não fazem no nosso coração o eco que deviam, como já indiquei mais acima.
O perigo de ela se tornar numa forma de trabalho ou produção, acho que não nos ameaça muito, porque nós sabemos que ela só tem valor unida à de Cristo; por isso dizemos e sentimos isto de “as minhas pobres orações”. Nós atiramos tudo para Deus e Ele reparte; de resto a única recompensa que almejamos é que com nossa oração possamos contribuir um pouco a que Deus seja mais glorificado e Jesus e Maria mais conhecidos e amados e que o mundo sofra menos e seja melhor.

C.P.N.- A vocação é um chamamento.  Será que a perseverança no seguimento deste chamamento é mais fácil para quem vive a clausura do que para quem optou por acolher este chamamento fora da clausura, onde está muito mais sujeito aos apelos do mundo?
Irmã: Acredito que nós temos mais meios e menos perigos. Mas isso que chama apelos do mundo, se por um lado podem ser tentação, (e são-o com muita frequência) também por outro podem ser um estimulo, como por exemplo ver a necessidade dos carenciados de quem se dedique a eles a tempo inteiro, e há que reconhecer que isso, a nível de sensibilidade é mais prometedor que o viver em clausura onde não podemos palpar o fruto da nossa vida que é, até nesse campo, uma renuncia total, e ás vezes é difícil aceitar e perseverar nesta aparente infertilidade ou falta de protagonismo. A fé pura é então o suporte, para proceder na gratuidade, actuando no amor.

C.P.N. - É comum na nossa sociedade as pessoas serem avaliadas pela sua capacidade produtiva. Como o trabalho é concebido na clausura, o que podemos aprender com esta diferente visão de mundo?
 Irmã: O “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gen 3,19) é para todos nós. Por isso também a faceta do trabalho é vista e vivida como um dever. O Nº 40 da nossa Regra diz-nos “Trabalhem todas as irmãs, excepto as doentes, fiel e devotamente, nos tempos determinados para o trabalho, evitado a ociosidade, inimiga da alma…” Mais adiante, nas constituições, citando alguns documentos recentes da Santa Igreja, se nos diz que por meio do trabalho atestem o sentido humano do mesmo e o convertam em meio de sustento e serviço; “Submetam-se à lei comum do trabalho e, mediante ele, cooperem no aperfeiçoamento da criação divina e associem-se à obra redentora de Jesus Cristo; Pelo trabalho, vivido como graça, ganham a sua vida e a de suas irmãs e ajudam os pobres.”
O que é preciso é nunca deixar que o trabalho ou a preocupação por ele diminua o tempo de oração e o espírito de contemplação: é a recomendação de S. Francisco de Assis: Trabalhem de tal maneira que não apaguem o espírito de devoção. E o lema de São Bento : “Mãos no trabalho e coração em Deus”.
O nosso trabalho rentável consiste em paramentos, em bordar toalhas de altar, enfim, tudo o que se relaciona com roupas de igreja.
O que todos podem aprender com esta diferente visão do mundo, seria o relativizar o que é relativo e não ver o trabalho como uma carga, senão como uma graça e meio de realização pessoal.
 Dizia também S. Francisco: Aqueles a quem Deus dá a graça de poder trabalhar”

C.P.N. - Que mensagem gostaria de deixar aos nossos jovens?
Irmã: Tudo o que disse até agora, penso que é mensagem sobre tudo para eles.
Mas quanto gostaria de lhes fazer ver que uma vida em pecado, sem horizontes divinos, é um contra sentido; a maior frustração de um ser humano, onde Deus semeou uma semente divina e por isso só serão felizes desenvolvendo esta capacidade superior que habita em nós. Quanto mais nobre for o ideal a que nos devotamos; quanto mais sublimes forem nossas motivações e mais altruísta a nossa vida de cada dia, mais pessoas seremos no sentido pleno da palavra, até humanamente. Que belo se tornaria o nosso mundo se fosse a nossa alma a comandar o nosso corpo e não ao contrário. A generosidade e a magnanimidade são o motor das energias dos jovens para as causas belas e nobres.

Para alguma jovem que queira contactar connosco, fazer mais perguntas, visitar-nos, ficam os nossos dados:
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Viso-Norte
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